Lei autárquica pode criar municípios monopartidários

Organizações angolanas, académicos e religiosos alertam para ‘perigos’

Académicos, religiosos e membros da sociedade querem mais debates e esclarecimentos sobre como as eleições autárquicas estão a ser preparadas e serão implementadas em Angola.

Organizações angolanas, académicos e religiosos alertam para ‘perigos’
Mário Mujetes

De acordo com os especialistas, que participaram de um ‘workshop’ promovido pelo Observatório e Monitoria, em parceria com o Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais e Democracia (IASED) e a Comissão de Justiça, Paz e Migrações da Igreja Católica, as discussões não devem apenas ficar pelo gradualismo. Os peritos defendem que “há questões de fundo que se inserem no mesmo processo que as pessoas precisam ter conhecimentos” e deixar o debate apenas estar interpolado entre os políticos “é cometer os mesmos erros que se verificam nas eleições gerais”.

O director executivo do IASED, Luís Jimbo, espera que a Assembleia Nacional tenha “coragem” de institucionalizar as leis que irão definir a forma de participação da sociedade no poder local, por ser espaço de “decisão” da vida comunitária. “As leis devem clarificar as tarefas e o envolvimento das associações, feirantes, estudantes e comerciais para saberem o que podem fazer”, em prol das comunidades. De acordo com o responsável, se isso for definido poderá contribuir no “esvaziar da excessiva partidarização do processo, como está a acontecer e contribuir na produção de uma lei justa”.

Luís Jimbo lembra que a ausência desta definição está a contribuir para a bipolarização do debate, entre gradualismo e não gradualismo, fazendo com que os “erros que se registam na realização das eleições gerais, se repitam nas eleições autárquicas”, em que passa a presidente de Camara Municipal o cabeça de lista do partido vencedor, “cenário que poderá fazer com que existam municípios de partido único”. “O perigo disto é depois associar essa governação local com a etnia ou a partidarização da etnia”, alerta.

Segundo o especialista, com o método de Hondt’, usado para distribuição de lugares e pelo sistema de lista em que passa a governar o partido vencedor, poderá “haver muitos problemas, como já aconteceu noutros países”, como Moçambique e em muitas regiões. “Infelizmente”, lamenta o responsável, “é isso que está a tomar o debate com um partido a defender o gradualismo e outros não, isso é o menos importante”. “Quando se diz que o poder local pertence às comunidades, quer dizer que se deve devolver esse poder ao povo, os partidos devem deixar as comunidades decidirem as políticas locais. Não faz sentido termos um sistema autárquico atípico, se já é atípico para elegermos o Presidente da República, porque o ser nas autarquias?”, questiona-se.

José Nguali, membro da Comissão de Justiça, Paz e Migrações da Igreja Católica, salienta que a “maior” preocupação da sua organização é saber como serão realizadas as eleições autárquicas, “sem entrar nas questões se serão graduais ou gerais, apenas queremos que sejam bem organizadas e realizadas, para que nada corra mal. É preciso dar formação e informação às populações para que se envolvam no processo conscientes”, aconselha.

O religioso Augusto Joaquim Ângelo lamenta que o processo para a realização de eleições autárquicas esteja a ter “diferentes velocidades”, uma para Luanda e outra para as outras províncias.

Augusto Joaquim Ângelo acusa as autoridades tradicionais de estarem a assustar as populações quando falam do processo, “para terem protagonismo”. Sugere, por isso, a realização de mais esforços na explicação do funcionamento de uma autarquia para que se perceba as “vantagens”, com a realização de mais campanhas de sensibilização.

O director executivo da organização humanitária internacional, João da Silva, pretende ver clarificado o papel e a participação das organizações da sociedade nas autárquicas, “para que se evitem erros cometidos noutros países”. “Nem pretendo que o processo angolano seja perfeito, mas deve ser consensual”, sugere.

Em três dias

Durante três dias, membros das organizações da sociedade das 18 províncias estiveram reunidos, em Luanda, num ‘workshop’ organizado pelo Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais e Democracia (IASED) e a Comissão de Justiça, Paz e Migrações da Igreja Católica, do qual debateram os indicadores definidos no quarto eixo do Plano de Desenvolvimento Nacional de Angola, que aborda paz, democracia, boa governação e descentralização.

 

 

 

 

 

 

 

 

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