Os bastidores de um pedido

 

Os bastidores de um pedido

 

Marta e Luvualu namoraram durante cinco anos, até que, um dia, sem que nada de extraordinário tivesse acontecido, o rapaz decidiu ‘pedir a mão’ da rapariga. Ela ainda lhe tentou despistar, Luvualu, devíamos aguardar mais um pouco, eu ainda nem terminei a faculdade, mas ele manteve-se irredutível, fica calma, Marta, não é casamento, é apenas pedido. Além do mais, acrescentou o jovem, faculdade é para se ir fazendo.

Com o ‘sim’ da noiva, Luvualu, escovinha em dia, sapato engraxadinho, enfiou-se numa apertada camisa que lhe realçava os tríceps e foi logo-logo falar com a família de Marta, que já o conhecia, pelo que o sogro, sabendo dos gostos do genro, não hesitou em convidá-lo para uma breve sessão de poluição do fígado. No entanto, foi preciso chegar ao meio do terceiro copo de kindungo para o rapaz soltar o verbo, explicando por que razão se dirigira à casa dos sogros.

Revelada a intenção de Luvualu, o pai de Marta foi prático e tranquilizou o genro, referindo que não havia qualquer problema e que o rapaz deveria apenas tratar da ‘factura’ que lhe tinha sido dada aquando da cerimónia de ‘apresentação’, também conhecida como ‘batimento de portas’.

Mil e quinhentos dólares, de alembamento ou nkanda a longo, destacavam-se numa lista que incluía, entre outras exagerações, três cabritos vivos, quatro galinhas vivas, um gerador Elemax, 12 grades de cerveja, 12 grades de gasosa, quatro cobertores, quatro panos do Congo, um fato completo para o pai, com sapato n.º 42 XL; e outro fato completo para o tio, além caixas de cigarro, brincos e bué de ngalas de vinho e uísque.

Com um kilápi no colégio onde leccionava Matemática e Física, juntando os trocados que colocara a descansar no banco, o jovem Luvualu conseguiu reunir cerca de 50 por cento do kumbu necessário para atender às exigências da família da noiva. A outra metade foi resolvida com o dinheiro arrecadado do kubidi-kubidi de amigos, colegas e familiares.

As coisas estavam muito bem encaminhadas, quando Luvualu soube que a tradição da família de Marta exigia que a festa de pedido fosse feita na casa do noivo, o que foi interpretado como um truque para escapar aos gastos com a bebida e comida. Seguiram-se acaloradas reuniões, gastaram-se latins e diversos provérbios ancestrais, mas, no final, acabou por prevalecer a vontade da família da noiva. Houve pedido, os festejos prolongaram-se até de madrugada e, uma semana depois, com a cabeça a rebentar devido aos cálculos dos kilápis que havia contraído, Luvualu perguntava-se de que eram feitos os corajosos homens angolanos que faziam pedido a três ou quatro mulheres.

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