E agora pergunto eu...

Geralda Embaló

Geralda Embaló Directora-geral adjunta do Nova Gazeta

A trajectória consistente de lucros, vem crise vai crise, vai JES vem JLO, não deixa de ser um contraste revelador com o momento económico de penúria que assola todos os outros sectores do país.

A economia está cheia de lugares comuns... Lugares, chavões e expressões que se renovam e se autocomprovam e que são repisados pelos economistas até à exaustão. Um desses lugares comuns conhecidos, até aos leigos na matéria, é o de que as crises económicas são cíclicas. Um chavão clássico apregoado quer em momentos felizes de picos económicos, em tom de aviso para a tempestade que certamente se há-de avizinhar, quer em momentos de tempestade, para lembrar e alimentar a esperança de que todas têm um fim a que se segue impreterivelmente a bonança.

Os lugares comuns, filhos do senso comum, dificilmente podem ser questionados, daí que frequentemente sirvam como cartão-de-visita dos ‘experts’ (e pretensos ‘experts’) e simultaneamente de ‘esmaga discussão’, são um ponto final que procura livrar-se dos de interrogação quanto ao presente e futuro. No entanto, e apesar de não serem de todo questionáveis estas verdades económicas absolutas, pergunto-me como, na nossa realidade e um pouco por todo o mundo onde as assimetrias são mais acirradas, se aplicam ou em alguns casos se reinventam.

No que toca à ‘ciclicidade’ das crises, facilmente nos esquecemos de que grande parte da população, particularmente a que vive e sempre viveu no interior que sempre viu menos investimento, sobrevive na pobreza há tanto tempo que não teve como se aperceber de qualquer pico económico, não beneficiou dele e até certo ponto já não lhe antecipa o fim. Gente acostumada ao pouco, a baixos standards de qualidade de serviços de educação, de saúde, ao baixo nível de vida. Comunidades inteiras à margem de qualquer benfeitoria pública de monta e esquecidas pelos proveitos do petróleo crise vai, crise vem. A mesma gente que só não se assustou mais quando os governantes na era de JES começaram a falar em ”apertar o cinto”porque parte não ouviu, outra nem cinto tem, são os “marginais da ciclicidade da economia”. Gente cuja preocupação em vez da economia é, por exemplo, a seca ou a chuva em excesso que lhes pode levar o que plantam ou criam para comer. 

No extremo oposto, ainda no contexto dos efeitos das crises que são cíclicas, estão aqueles que também não reconhecem a dita inquestionável ciclicidadedas crises porque, independentemente do momento económico para o todo, para a populaça, para o país, estão sempre no lucro. Diz-se também que as crises são janelas de oportunidade (muitas vezes são apenas de oportunismo), mas esta pequena fatia que, diferente dos primeiros marginais da ciclicidade da economia que vivem com pouco, participa na economia e alimenta-se dela, esteja ela de saúde ou não, na fase do ciclo de riqueza ou na fase do ciclo de crise.

Recentemente o ‘Valor Económico’ informava sobre os resultados financeiros risonhos de mais uma das instituições bancárias da nossa praça. Lucros nos balanços da banca são notícia rotineira nos meios que se debruçam sobre a economia nacional e já não surpreendem. No entanto, a trajectória consistente de lucros, vem crise vai crise, vai JES vem JLO, não deixa de ser um contraste revelador com o momento económico de penúria que assola todos os outros sectores do país. O NG conta-lhe esta semana que o centro de hidrocefalia não tem condições de fazer cirurgias há dois meses, e que em lista de espera já morreram 12 crianças. E agora pergunto eu, porque é que a banca, que longe de estar à margem da economia, de facto vive dela, não sofre com a crise económica? Porque é que um sector que devia por ‘raison d’etre’ ser o motor da economia se vai engordando mesmo quando a economia de que se alimenta definha?

O CEO do grupo Boa Vida aqui há umas semanas falou ao ‘Valor’ sobre a razão pela qual os bancos não financiam a economia, razão que é simultaneamente a explicação para os lucros que apresentam sistematicamente e ao abrigo de qualquer crise por que o país esteja a passar. “A banca fechou porque todo o dinheiro foi transferido, sob o formato de aplicações de obrigações de tesouro para o banco central, em que os juros são de 18 a 22 por cento, que é um investimento muito mais atractivo do que na economia real. Mas temos de perceber que estas altas taxas cortam a atractividade do investimento na economia real que se traduz no crescimento do PIB.” Isto, trocado por miúdos, é o Estado a jorrar dinheiro, numa fase em que não tem, para os bolsos dos accionistas dos bancos. Thomasz Dowbor lembrou mais “No OGE, mais de 50 por cento da receita é para manutenção da dívida e metade dessa dívida é interna que é extremamente bem remunerada, um formato de altos juros que beneficia a banca, que investe nestes títulos com o dinheiro do povo.”

Absolutamente tudo dito. Restam dúvidas sobre onde deve incidir a política económica para saída da crise e reinício do ciclo de desenvolvimento que é vital para o país?