E agora pergunto eu...

As notícias, comunicados, parangonas e fanfarras que berram a bom som e borram a letras garrafais “ILEGAL” no que toca a cedências de crédito, empréstimos, financiamento com apoio do Estado e demais decisões que o governo do mesmo partido, sob a égide de José Eduardo dos Santos, tomou durante o ‘reinado’ do mesmo, e que se vão multiplicando, vão criando um efeito político duvidoso.

Na semana passada, escrevia aqui neste seu espaço, sobre o efeito económico colateral adverso desse direccionamento de combate muito público e com show offmediático questionável aos que foram baptizados marimbondos, que é o de retrair o investimento angolano porque, como se não bastasse a crise profunda, os angolanos que têm dinheiro para investir não investem um luei numa fase em que correm o risco de ser rotulados de insecto.

Mas esta semana, e em face de mais comunicados da PGR, que por outras palavras, não muito mais elaboradas, querem dizer “estamos a vingar o povo e a receber as empresas e a fortuna aos marimbondos” (a marimbondos especificamente escolhidos a dedo naturalmente), volta a alimentar-se o ambiente de invalidação das decisões do anterior PR.

Não é, de todo querido leitor, que muitas das decisões de JES não fossem duvidosas ou mesmo más. Muitas demonstraram-se péssimas. O seu companheiro das quintas-feiras vinha há sete anos a questionar muitas delas, a começar precisamente pela eleição da estratégia pós-apartheid que a África do Sul havia implementado, aqui de transição do comunismo/socialismo para a economia de mercado/capitalismo, que assentava essencialmente na criação de uma elite endinheirada responsável por dinamizar o sector privado e a criação de emprego mantendo a soberania do país.Estratégia com o norte de evitar que os alicerces da economia nacional estivessem na mão de estrangeiros. As dúvidas eram mais do que válidas porque sem fiscalização dessa incumbência, as elites endinheiradas trataram de por o dinheiro lá fora e com ele de se ‘endinheirar’ mais e mais, relegando a responsabilidade para com a alimentação da economia nacional para segundo, terceiro ou último plano. E fizeram-no de diferentes maneiras, muitas disfarçadas de investimentos que prometiam retornos lá de fora, e, outras mesmo disfarçadas de missão de Estado na forma de importação de básicos como comida e medicamentos, que tinham depois o efeito colateral de manter o país habituado à importação e sem capacidade produtiva.E aqui estamos, sem dinheiro para continuar a importar e sem capacidade de produzir quase tudo.

Contudo, e não obstante da evidência, até já reconhecida pelo próprio ex-PR, dos erros de governação da sua vigência, a rotulagem de ‘ilegal’ estampada nas decisões do anterior chefe de Estado, pode ser problemática em si mesma...

Para além da instabilidade e desconfiança e mau aspecto intrínsecos à imagem de ‘país vira-casacas’, que andou décadas a idolatrar um tipo, que passado pouco tempo de sair da cadeira se torna pouco mais que um insecto improdutivo (e não pela mão da oposição, mas do seu próprio séquito),mais problemático, põe em causa a autoridade e a legitimidade do cargo de mais alta instância do país.Significando por exemplo, que se em 2022 o MPLA perde ou escolhe outro líder que não João Lourenço, todas as decisões deste agora podem ser postas em causa, revertidas e consideradas ilegais pelo próximo. Pergunto-me se estesquestionamentos a decisões do anterior PR, e considerações institucionais que as tornam ilegais quando eram sacrossantas quando tomadas, não abre espaço para um arraial de processos litigiosos complicados... A questão vale até porque se tem visto o retorno ao País de empresas e indivíduos que se sentiram lesados pelo anterior poder e que reclamam espaço e alguma compensação inconfessa... E agora pergunto eu, se daqui a pouco mais de dois anos as decisões do PR hoje, poderem ser consideradas ilegais, as empresas e os particulares que se sentirem lesados pelas decisões de hoje não poderão desencadear acções em tribunal contra o Estado? Não se está a fazer com que as decisões tomadas pela mais alta instância do País deixem de ser lei para se tornarem ‘lei enquanto o presidente for o mesmo’?