Agora pergunto eu...

Em época de comemoração da dipanda, querido leitor, ter um OGE (Orçamento Geral de Estado) que, pela primeira vez, privilegia a Saúde, rompendo com a tradição (resquícios de guerra) que atribuía maior fatia à Defesa, é uma excelente notícia.

Muito ao contrário da ‘Operação Resgate’, que, por bem intencionada que seja, é, em cenário de plena crise socioecónomica com níveis de desemprego alarmantes, no mínimo extemporânea, inoportuna, para não dizer cruel no trato aos ambulantes que, embora desorganizados, trabalham para sustento (e, por isso, merecem mais da parte de quem governa do que serem corridos por uma polícia que os devia proteger).

Um maior investimento na Saúde é, mais uma vez ao contrário da ‘Operação Resgate’, um sinal de menos foco nos sintomas e mais nas raízes dos problemas socioeconómicos que temos.

Como li algures, o objectivo deve ser combater a pobreza e não combater os pobres. Ver imagens de zungueiras a chorar, com as bacias do sustento atiradas ao chão por polícias e fiscais ao serviço de um Estado sem condições para apresentar alternativas aos mercados onde elas só não ficam porque o cliente não vai lá, é de partir o coração e pergunto-me se não será um contrassenso numa governação que se quer mostrar mais humana e próxima da população que governa.

No entanto, e voltando às boas notícias, uma cabimentação de mais do dobro do que foi em 2018, um aumento de 352 mil milhões de kwanzas para cerca de 750 mil milhões para a Saúde (números que continuam a ser manifestamente insuficientes para as necessidades e para as metas reconhecidas e estabelecidas pelo Governo) é, sem qualquer dúvida, um passo importante na direcção certa do desenvolvimento do País.

A Saúde é uma prioridade absoluta e quanto a isso não pode haver quaisquer dúvidas ou questionamentos. Perguntas válidas serão ao nível da execução real do OGE que, diga-se de passagem, costuma andar longe do cumprimento cabal, sempre atropelado por crises, por flutuações do preço do petróleo, por mau planeamento e por desvios de variada ordem. Respostas a estas perguntas só com a consolidação, no final de 2019, das contas nacionais. A ver vamos.

Perguntas válidas podem surgir também certamente quanto à gestão que o próprio Ministério da Saúde irá fazer dos fundos que receber.

Como lhe conta a reportagem desta semana, a subida à condição de país de rendimento médio já começou a apresentar facturas para pagar. Assim se justifica o aumento do investimento em vacinas e o decréscimo na luta contra a malária que mais mata em Angola. Querer viver de aparências pode sair caro.

E a verdade é que a Saúde anda sem ela há tanto tempo e que os fogos para apagar se multiplicam muito à semelhança das doenças infectocontagiosas que atormentam rotineiramente uma população (que não tem como se aperceber de que a sua renda supostamente melhorou).

Muitos desses fogos para apagar são problemas de fundo, estruturais e sem resolução fácil. Um exemplo evidente é a tragédia da falta de quadros qualificados. De nada nos resolve contruirmos hospitais, atirar dinheiro para as compras de equipamento (que aliás costumam encobrir as ‘comichões’ dos nossos governantes) quando não temos técnicos e pessoal formado para os operacionalizar. Não faltam relatos de hospitais com equipamento encostado a apanhar pó e a estragar-se por falta de quem o saiba pôr a trabalhar.

Os números reais da falta de quadros, como já escreveu o seu companheiro das quintas-feiras, são absolutamente dramáticos, com rácios tão perturbadores como o de um médico para 4.300 pessoas.

Isto para não falar no outro problema estrutural conexo que é a qualidade da prestação dos serviços médicos que sabemos andar muito aquém das necessidades e que nem sequer é convenientemente medida. Outros problemas concretos há, como a falta de médicos legistas que ajudem a mapear surtos de doenças e assim a alocar esforços financeiros para as prioridades. E agora pergunto eu: como fazer a gestão de fundos públicos sem domínio detalhado de estatísticas e com a sombra da possibilidade dos erros de diagnóstico que, além de serem causa de muitas mortes, ainda contribuem para a alocação ineficiente de fundos?

A responsabilidade nos ombros da ministra da Saúde é enorme, porque trata também de mostrar que o aumento da cabimentação do sector obtenha o máximo de resultados positivos e mesuráveis.

Para já, o aumento da fatia da Saúde (e pela mão de um ex-ministro da Defesa) é um passo definitivamente na direcção certa.