Agora pergunto eu...

Wakanda forever...

Para o leitor que não teve a oportunidade de ver a nova criação da Marvel, o‘Black Panther’, ou ‘Pantera Negra’ em português, dá vida ao primeiro super-herói cinematográfico africano, e, com ele, ao país que o viu nascer: Wakanda um paraíso africano altamente avançado a nível tecnológico. O reboliço à volta do filme, apesar das partilhas massivas do ‘trailer online’ já o anunciarem, surpreendeu até a produtora com recordes de pré-reservas e vendas que o colocam ao lado dos maiores sucessos de bilheteira, passando a marca dos 700 milhões de dólares no segundo fim-de-semana depois da estreia.

Confesso-me suspeita, querido leitor, porque sou uma ávida consumidora da Marvel, sendo que raramente me escapa qualquer filme que produza, vírus que com toda a satisfação passei à minha criança. Além da magia e arte implícitas à banda desenhada, existe uma mitologia cheia de moral por detrás das histórias de cada super-herói, uma espécie de mensagem subliminar sempre presente de que com o poder vem a responsabilidade, da necessidade de protecção dos mais fracos pelos mais fortes, de que o ‘karma’, ou as consequências do que se faz, pode tardar, mas não falha e de que o bem vence sempre o mal. No entanto, a razão pela qual escrevo sobre isso, pouco mais de duas semanas depois do lançamento do filme, é a vontade de que o máximo de crianças em Angola vejam o filme, como a minha viu. E estava a pensar no assunto, quando uma busca na net mostrou que a ideia não só não é original, como já existem campanhas ‘online’ para angariar fundos para levar crianças de comunidades maioritariamente negras ao cinema para ver o super-herói que se parece com elas. Lupita Niongo, uma das actrizes, pagou para que 600 crianças vissem o filme no Quénia, a sua terra natal, e nos EUA várias campanhas, algumas financiadas pela Fundação Martin Luther King e pares, angariaram até à semana passada, mais de 400 mil dólares que levaram centenas de crianças a ter acesso a bilhetes de cinema gratuitos. E não é para menos. O significado deste filme e razão porque as escolas cá deviam de (na medida do possível porque sabemos que, para muitas, a prioridade é ter tecto e paredes, estando bilhetes de cinema também como o filme, na esfera da ficção científica) levar os alunos para ver, ultrapassa em larga escala o valor da representatividade negra em Hollywood. É que apesar de este não ser exactamente o primeiro super-herói negro, vem-me à mente o Hancock e a minha pequena lembrou-me do Frozone, cuja voz é de Samuel Jackson, Nick Fury dos Avengers (Vingadores), este é o primeiro que é africano e o primeiro a estar ao nível, se não acima, de super-heróis como Capitão América ou Thor que capturaram desde há muito o imaginário infantil. O significado é maior porque esta é certamente a primeira vez que um país africano aparece caracterizado como intocado por colonizadores, intocado pela miséria, fome e guerras que normalmente caracterizam África e descrito como super potência tecnológica. Bem sei, querido leitor, só mesmo no reino da ficção científica. No entanto, esta ficção, assente no avanço tecnológico graças a recursos que mais nenhum tem, e porque África é mesmo um poço de recursos, leva-nos, e mais importante, leva as crianças, a imaginarem o que poderia ser caso o investimento para a pesquisa, investigação e tecnologia fosse mais prioritário.

Vejamos o cobalto, por exemplo, que, como o lítio, já está a ser descrito como o novo petróleo porque é necessário para a composição das baterias de automóveis eléctricos e é um minério encontrado maioritariamente na República Democrática do Congo (que forneceu 63 por cento do cobalto usado mundialmente em 2016). No entanto, e diferente do imaginário Wakanda cujo Vibranium resultou num avanço tecnológico que permitiu ao país ter a tecnologia mais avançada para permanecer oculto, em paz, rico e próspero como nenhum outro, a RDC explora crianças nas minas de cobalto, vive na miséria porque não tem capacidade de transformação ou uso dos seus recursos (um pouco como nós que ainda compramos combustível), e à beira da guerra, incitada precisamente por causa da ganância à volta desses recursos. Pergunto-me se apenas as nossas crianças deveriam ver as possibilidades ilimitadas de um Wakanda, mas também deveríamos oferecer bilhetes aos nossos governantes africanos.

O imaginário tem um papel incontestável na construção da identidade infantil que serve de base para o futuro. Mais do que mostrar às nossas crianças um super-herói de pele orgulhosamente escura, o filme alude para o valor de investir na tecnologia e na capacidade de pôr recursos disponíveis, ao serviço de África. O que implica evidentemente um investimento na formação e na capacitação tecnológica várias vezes superior ao que fazemos por aqui na educação. Estaria muito disposta a contribuir para que as nossas crianças vejam Wakanda e se inspirem em algo diferente e mais positivo do que a cultura ‘gangsta’ responsável por vermos tanto jovem de calça descaída. E agora pergunto eu: quem mais alinha numa campanha que pague bilhetes de cinema às nossas crianças?