Agora pergunto eu...

Numa semana ainda marcada pela visita a Portugal e pela entrevista que o Presidente da República concedeu ao jornal português ‘Expresso’, pergunto-me que estranha tendência é esta de conceder entrevistas a órgãos estrangeiros preterindo sistematicamente os órgãos de comunicação nacionais.

As entrevistas, diferentes dos comunicados e dos discursos, são importantes porque reflectem as preocupações do público-alvo do meio (e do país) onde são publicadas. Será mais importante para os nossos dignitários responder às preocupações e curiosidades de franceses, ingleses ou portugueses do que às inquietações dos angolanos que os elegem?

Já era tradição de José Eduardo dos Santos e é curioso que, por mais que se tente demarcar do seu antecessor, João Lourenço acabe fazendo tanto que o aproxima. A culpabilização do muito que está errado à anterior gestão (que, aliás, é demasiado comum nos políticos) é mais um exemplo. Já JES apontava o dedo ao colono (porque não permitia que se tocasse na memória de Agostinho Neto que lhe passou o testemunho) pela pobreza e por coisas que correm mal até aos dias de hoje. A política e a sua necessidade de ‘sacudir água do capote’ consegue sempre decepcionar.

O que não se compadece com as agendas e tricas políticas é a actualidade económica, que continua a ser marcada pelas quedas do petróleo no mercado internacional (o barril baixou dos 63 dólares) e pela queda da moeda nacional que tanto valor já perdeu (para mais de 310 kwanzas por cada dólar), dois factores que afugentam os investidores de que a economia precisa como de água no deserto. Esperemos que, contra estes números desanimadores, o Governo tenha razão e os investidores se sintam mais confiantes no potencial de investimento no país graças ao novo executivo e à sua luta contra a corrupção.

A ver vamos, torcendo pelo melhor para o país, sempre.

Entretanto, e para a nossa desgraça, indestronáveis no que à actualidade diz respeito, aí estão as nossas estradas mortíferas e a malária que continuam a cobrar vidas a um ritmo tão acelerado quanto o dos mais vigorosos kuduros. Nove mil mortos apenas nos últimos 10 meses com cerca de quatro milhões de casos diagnosticados são os números da malária. Quanto às estradas, quase 1.800 mortos nos últimos nove meses com mais quase 8.500 feridos e o impressionante número de 26 mil mortos e mais de 100 mil feridos entre 2011 e 2017. Com números mais mortíferos do que muitas guerras civis, esta dupla funesta, malária e estradas, continua imbatível e implacável a colher vidas no país.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), graças ao desinvestimento dos governos no programa de combate à malária, a doença está longe de estar sob controlo. A directora regional para África do organismo, MatshidisoMoeti, em conferência de imprensa em Maputo, lembrou que a malária matou este ano menos pessoas, mas, em compensação, propagou-se mais. A responsável disponibilizou ajuda aos ministérios da Saúde dos países mais afectados para convencer os respectivos ministérios das Finanças a aumentarem o orçamento para o combate à doença.

Com a contaminação de uma criança com VIH numa unidade hospitalar pública e a tentativa vergonhosa de encobrimento do caso e a gestão da greve dos médicos que cada vez se torna mais difícil de controlar, bem que a ministra da Saúde precisa de toda a ajuda que lhe possam dar.

Depois, o Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2019 (que diga-se de passagem, mais uma vez passou relativamente por discutir graças à maioria parlamentar do MPLA) está em linha com o problema identificado pela OMS. Tal como o NG escreveu há duas semanas, apesar de a malária matar cerca de 30 pessoas por dia em Angola, o OGE 2019 prevê uma redução de 70 por cento no já insuficiente orçamento para o combate à doença líder de mortes. De perto de oito mil milhões de kwanzas, o combate já deficiente à malária vai passar a receber pouco mais de dois mil milhões de kwanzas. E agora pergunto eu: banga kiebe Angola? Prioridades e perguntas que ficam por fazer ao Presidente e ao seu executivo que preferem falar ao estrangeiro.