Agora pergunto eu...

Abriu a caça às bruxas. Queremos justiça! Estamos zangados. Zangados não exactamente com pessoas que não conhecemos e que ouvimos falar que são culpados da nossa miséria, mas zangados por tudo quanto não temos e que os outros têm ou tiveram durante tanto tempo.

Há que fazê-los pagar pelo que não temos! Podemos nem saber o quê que queremos e não temos, nem saber bem o porquê de pedirmos a condenação de quem nem conhecemos, mas queremos prisões, sangue, forcas em hasta pública. Temos saudades de tempos medievais em que se apedrejavam pessoas em público. Fazem-se apostas de quem é o próximo a cair em desgraça, de tempos de prisão, o que são 20 anos? Porque não pedir mais? Pena de morte? Cadeira eléctrica não porque falta-nos luz.

Afinal, mais do que terem o que não temos estes só podem ser a razão do que nos falta. Tiveram todas as benesses, como cantava Sade, nasceram com a colher de prata na boca. Tiveram acesso à melhor educação, quando temos as misérias que temos nas nossas escolas, viajam por qualquer dor de unha, quando nós temos hospitais-morgues à espera, comeram e beberam sempre do melhor, quando a nós nos falta tudo, conduzem os melhores carros, agarram as ‘melhores’ mulheres ou maridos, vestem as melhores farpelas, os melhores sapatos. Só podem ser culpados do que não temos! Somos pobres para que sejam ricos! Queremos vê-los na prisão!

É da natureza humana. Dificilmente, podem os alvos das mediáticas prisões do momento ser receptáculo da simpatia popular.

Não parece ser preciso perceber o que foi roubado, se sequer foi roubado, quer-se prisões! Não é preciso saber se há provas ou se há verdades na defesa, quer-se prisões! Não é preciso sequer pensar que justiça alguma, que não ande atrelada a agendas políticas e com isso deixe de o ser, se move com a rapidez que desejamos. É preciso reunir provas antes de acusar e constituir um processo leva o seu tempo, mas essas diligências não nos interessam, quer-se prisões para ontem, quanto mais cedo e de mais tempo, com mais dano e humilhação pública, melhor. Faz-se a festa, não interessa que continuemos sem ter o que queremos, sem ter saúde, ou educação, água ou luz e cada vez com menos de comer ou beber, festejamos prisões.

É natureza humana, não se pode esperar que seja diferente, querido leitor.

No entanto, à própria Justiça enquanto instituição de Estado, pede-se mais.

Pede-se precisamente a difícil tarefa de se abster de simpatias ou antipatias.

De se abster de emoções.

Pede-se que resista a pressões exógenas quer de quem se quer defender, como de quem quer condenar. Pede-se que resista a pressões populares ou pressões de agendas políticas. Que puna se tiver de punir com coragem e que com a mesma coragem desfaça o que não passar de acusações sem fundamento, sem provas. 

Pede-se enfim que seja cega, surda e muda a todo o ruído que a rodeia, no sentido de preservar a sua idoneidade. Que seja, a instituição sólida de respeito que o país precisa. Independentemente de todo e qualquer outro poder, diligente, e sem sede ou carência de popularidade. Da justiça pede-se muito.

Oportuno, o livro relançado na sua segunda edição ‘Introdução ao Direito Angolano’, da autoria do jurista, professor universitário e juiz conselheiro do Tribunal Constitucional Raul Araújo, lembra que “uma das garantias essenciais da independência dos tribunais é a independência dos juízes, razão peça qual têm imunidades próprias que lhes garantem a sua autonomia e independência no exercício de funções”. Oportuna lembrança.

E agora pergunto eu: conseguirá a justiça ser imune às diferentes correntes de pressão política e à sedução da popularidade justiceira, em nome da sua própria solidez e afirmação de idoneidade enquanto instituição?