Agora pergunto eu...

a semana passada, escrevia aqui, neste espaço sobre o tema do assédio sexual, e perguntava porque é que, numa sociedade tão profícua na produção de leis, o assédio sexual não era crime. E, esta semana, acabo de ler uma expressão, aqui no seu companheiro das quintas-feiras, que porventura caberá como uma luva na resposta: “um javali nunca vai julgar um porco”. As palavras são do presidente da Associação Angolana de Defesa dos Direitos dos Consumidores (AADIC), na reportagem desta semana, a propósito dos roubos dos funcionários bancários nas contas dos clientes e a razão pela qual os bancos não divulgam informação sobre essas situações. Pelo meio, fica-se a saber de um uso para o Jornal de Angola que nunca me teria ocorrido.

Os nossos ditados populares são fantásticos, de facto, e dignos de estudo e de publicação de livros. Até porque livros nunca são de mais e fazem sempre falta como aliás comprova a polémica do momento nas redes sociais, que mereceu o comentário do entrevistado desta semana, Eugénio da Silva, secretário de Estado para o Ensino Superior, também ele um homem de livros, com cinco publicados além de outras publicações.

As cerimónias de outorga de diplomas e as respectivas celebrações nas redes, de alunos que não sabem escrever, motivaram uma chuva de piadas, de críticas e de interrogações do tipo “como é possível sair uma pessoa de uma universidade depois de quatro anos, a escrever deficio, consigui, e afins”, coisa que o governante diz não se admitir.

Esta pergunta remeteu-me imediatamente para casos de professores universitários, que conheço pessoalmente, e que escrevem casa com z, sede com c, que dizem seje e esteje e não sabem a diferença entre mais e mas e que não passariam num exame elementar de ortografia e gramática da língua em que dão aulas. Mais uma vez, o javali não vai julgar um porco e os professores que são muitos com debilidades sérias na escrita e na oralidade do português, não podem exigir esmero de língua aos alunos. O Ministério do Ensino Superior, na voz da ministra, já mostrou ter plena consciência de que ‘o buraco’ nos estudantes é mais em baixo, nos professores, e, cada vez que fala em exames para os professores, instala o pânico entre a classe. E não é para menos.

Mas a situação a jusante (como diriam os formados em gestão que como os de direito enfiam o seu jargão em todas as esquinas que podem), que tem provocado tantas gargalhadas e piadas, na verdade, e como qualquer tragédia, não tem piada rigorosamente nenhuma. Muito antes pelo contrário, porque é sintomático de que o sistema está esbodegado desde a base no ensino primário, ao topo, com a entrega destas gigantes fornadas de mal-formados para um mercado de trabalho completamente sedento de gente capacitada para a sua constituição. Não gabo a sorte dos responsáveis do Ministério porque o trabalho de desatar este nó é, nada mais, nada menos que uma luta à David e Golias.

Tão preocupante quanto os erros de português é a atitude frequente do tipo “mi subistimaram e homiliaram e hoje a vitoria” que, por sua vez, denúncia o investimento no canudo para a obtenção de um estatuto e respeitabilidade instantâneos, em vez de para a capacitação. Pior do que isso, denuncia expectativas que serão facilmente frustráveis quando o mercado de trabalho não produzir vagas à altura do ‘doutorismo’. E, acredite querido leitor, que lhe confidencia isso quem já assistiu a entrevistas de primeiro emprego em que o recém-formado insiste estar à procura de um cargo de administração da empresa que o entrevista. O ‘doutorismo’ vazio é problemático em mais de uma maneira e para mais do que quem se forma. É um problema de Estado.

Recentemente, partilhei um vídeo que foca o exemplo da Alemanha e que começa por dizer que, por lá, os empregos que não exigem formação superior são altamente respeitados, que o aprendizado de um ofício tem tanta importância quanto uma formação universitária e que, por isso, mais de metade dos alemães recebe formação profissional para serem soldadores, electricistas, carpinteiros, chefes de cozinha, fotógrafos e afins. O vídeo termina com a afirmação de que o resultado dessa lógica é uma das menores taxas de desemprego do mundo. E há outro resultado que o vídeo não menciona, que é uma das mais fortes taxas de industrialização e capacidade produtiva que faz da Alemanha a quarta maior economia do mundo. 

E, olhando para quanto o desemprego jovem entre nós é problemático e mesmo perigoso para a estabilidade social, não posso senão questionar se faz sentido a prioridade da correlação entre formação superior e desenvolvimento estabelecida pelo excelente entrevistado desta semana. E agora pergunto eu: o prioritário não devia ser a empregabilidade e a capacitação técnica tão necessária, da mão-de-obra jovem em vez dos canudos? Precisamos mais de doutores das ciências sociais (que são a larga maioria) ou de electricistas, soldadores, carpinteiros, chefes e afins para porem a economia e o desenvolvimento a mexer?