Agora pergunto eu...

Agora pergunto eu: quem quer ser marimbondo?

A pergunta tem o eco do filme premiado sobre o concurso ‘Quem quer ser milionário’, mas o efeito psicológico é precisamente o contrário, enquanto à segunda pergunta a resposta é “todos”, à primeira, a resposta é inequivocamente “ninguém”.

E as consequências tanto sociais como económicas são várias e tão profundas que alteram mesmo a identidade sócio-cultural do país. Olhando um pouco além do ruído das acusações e da propaganda à volta de um termo que, por replicado que tenha sido e continua a ser até à náusea, tendo já diminutivos ‘maris’ ou colectivos ‘marimbondagem’, à partida, parece pouco mais do que falta de vocabulário adequado a uma visita de Estado, uma consequência feliz de ninguém querer ser marimbondo e é certamente um vertiginoso controlo do novo-riquismo que se começava de facto a tornar identitário. Dito de outro modo, porque ninguém quer ser marimbondo, agora ninguém se quer exibir milionário, e isso, tendo em conta o contexto de crise nacional, é bom porque torna menos visível (longe da vista, longe do coração) o violento fosso que ainda existe entre ricos e pobres. Torna a riqueza na miséria menos ostensiva e pantomineira, mais humilde ou talvez apenas mais medrosa.

Outra consequência positiva de ninguém querer ser marimbondo é, e esta sem dúvida relevante, uma aura de responsabilização entre as hostes dirigentes por terror de contrair, qual lepra altamente contagiosa, o rótulo de marimbondo.

E, enquanto os que já não se livram dele (do rótulo) se entretêm a coleccionar e a ameaçar difundir os segredos que expõem as vergonhas marimbondianas dos outros, isto muito particularmente entre os ‘camaradas’, outros tudo fazem para reacusarem os acusados para distraírem atenções de si mesmo num manifesto frenesim para atacar antes de ser atacado. No que se vai tornando um ambiente tóxico de desconfiança, intrigas e incertezas que vai roendo os alicerces outrora tão aparentemente sólidos do partido no poder.

Uma consequência não tão bem-vinda desta nova necessidade de evitar o rótulo de ‘mari’ é que, como os que tinham visivelmente dinheiro para gastar se esfumaram, com eles se esfumou muito do investimento interno.

Agora, marimbondo ou não, só pelo terror de contrair o rótulo (e porque é sem dúvida a doença da moda e mais contagiosa do que o ‘zap’ que aí andava a pôr os olhos vermelhos), mesmo quem não é tem receio de o parecer e, por isso, não abre empresas, lojas, compra o mínimo para não parecer rico e ajuda a secar a economia de fluxos financeiros e de tão necessários empregos.

É claro que a narrativa do resgate dos desvios lá fora vai dando alguma esperança contra o definhar da situação sócio-económica do país, apesar de todas as experiências de outros países apontarem para que seja essa uma esperança vã, porque os bancos dos países que receberam os desvios não têm interesse em fazer quaisquer retornos que lhes retirem liquidez. No entanto, a esperança é a última a morrer.

E as novelas, as acusações, os circos mediáticos entretêm. Um pouco como o futebol, ajudam a esquecer, ainda que por momentos, a falta de luz, de água, de emprego e de perspectivas. O problema só está no preço. Por cada acusação de marimbondo que retrai o investimento em nome de evitar a aparência de despesismo – o “esse foi buscar aonde dinheiro para investir?” - são empregos que não se criam e pão que não se produz nas mesas das nossas famílias. E agora pergunto eu: vale o preço?