Agora pergunto eu...

A opinião pública é perturbadoramente permeável à manipulação e os média têm um papel perturbadoramente instrumental, tanto para manipular como para contestar essa manipulação.

As defesas de primeira linha contra a dita manipulação são, por um lado, uma imprensa livre, plural o suficiente para cobrir diferentes ângulos, diferentes perspectivas da realidade que permitam ao público pensar pela própria cabeça e tomar posições abalizadas e, por outro, a educação que ensina a pensar pela própria cabeça. A questão ‘educação’ é complexa. Isto porque não faltam exemplos de manipulações grosseiras da opinião pública, com um qualquer objectivo político ou económico, ou os dois, em países desenvolvidos e com elevados níveis de instrução, que nos levam a pensar que nos países como o nosso não há esperança de defesa.

Tanto a opinião pública norte-americana como a inglesa foram enganadas com alegações fictícias por parte dos seus governantes (como ficou comprovado, apesar de ninguém se responsabilizar), de que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça e que com um botão destruía o Reino Unido em 15 minutos, coitado do homem. Tudo com o objectivo de validar uma intervenção militar, uma invasão a um país soberano, com objectivos puramente económicos por detrás. Se Saddam não fosse líder de uma nação cheia de petróleo, provavelmente ainda andaria entre nós.

Nos EUA, muitos norte-americanos apoiaram a invasão ao Iraque, confusos com quem teria atacado as Torres Gémeas no famigerado 11 de Setembro porque a ligação entre Saddam e a Al-Qaeda, que legitimava uma intervenção (que por sua vez permitiria a tomada do petróleo iraquiano) era do mais forçado imaginável.

Não faltam exemplos mais recentes de manipulações da opinião pública, em meios desenvolvidos e até com intuitos bem mais acéfalos e imbecis, como a simples manutenção do poder por um partido ou por um indivíduo. David Cameron, que para ganhar as eleições prometeu o referendo que abriu as portas do inferno político que se instalou na Houseof Lords (o parlamento inglês), saiu de cena assim que viu no que se havia metido. Nem tão-pouco valeu a pena. O Brexit, que só pode ser descrito como a maior vergonha do sistema governativo e do magnifico parlamento inglês, não é senão fruto de manipulação da opinião pública. A exaltação de nacionalismos com linguajares contra os migrantes e promessas falsas de sucesso imperial levaram a opinião pública a votar a saída da UE sem tão-pouco perceber que vantagens tirava da mesma ou que consequências traria uma saída. E a pesada factura está aí com as grandes multinacionais a deixarem de estar sediadas na Inglaterra.

A manipulaçãoda opinião pública faz-se através do controlo da narrativa, da repetição até à exaustão de ideias que suportam a intenção do poder de modo a que se tornem, mesmo que o não sejam, verdades incontestáveis, e faz-se aniquilando o que sustenta a democracia, a liberdade de pensamento e a divergência.

O resultado é uma só voz conduzida por forças que não se mostram, mas que intimidam e se dedicam a arrasar qualquer dissonante ou não-alinhado de modo a solidificar-se e a forjar uma unanimidade pública tantas vezes falseada.

O Valor Económico e o Nova Gazeta têm sido vítimas recorrentes desta necessidade de arrasar qualquer (ainda que imaginária) dissonância. O Valor Económico foi esta semana “desmentido” por um órgão público (e que devia servir interesses também públicos como a pluralidade de informação), num exercício incompreensível de tentativa de achincalhamento de um meio que se orgulha de fazer jornalismo de acordo com o código (e que, talvez por isso, seja alvo de tantos ódios), também já o foi no tempo de JES. E pelos mesmos poderes (com uma ou outra cara diferente) incomodados com a mesmíssima suposta dissonância. A de tal modo afoita tentativa desta feita dizia que a publicação foi desmentida por um membro da diplomacia angolana e ia ao bizarro de afirmar que a empresa que tutela o jornal é visada pelo novo poder. Se é grave que o órgão não se tenha incomodado de verificar a informação que presta, já que as declarações foram públicas e que o VE, em momento algum, escreveu que teria acontecido em conversa com o PR, mais grave é que um órgão público entenda normal que outro meio de comunicação seja visado pelo novo poder. Coisas que tínhamos esperança de terem mudado com o novo Governo. Novamente, não é a primeira vez que o Nova Gazeta ou o Valor Económico são visados por poderes. No anterior ‘reinado’, também fomos erradamente desmentidos e ameaçados com processos judiciais, intimidados por poderes económicos de diferentes formas por fazermos bem o nosso trabalho. Trabalho que vai continuar, num formato ou noutro, com uma única aliança e compromisso, a com o nosso leitor e com o país que acreditamos precisar da diferença (do que de carneirada) para crescer. E agora pergunto eu: sendo certo que não é ao público, a quem serve uma imprensa a uma voz?