Agora pergunto eu...

Numa semana de mais exonerações e mais nomeações, de greves tratadas com ameaças de carga policial e sobretudo de rescaldo do pesadelo da falta de combustível que, apesar de continuar a assombrar outras províncias, estabilizou em Luanda, o Governo começa a reconhecer que o crescimento, que previa de mais de quatro por cento no início do mandato, perspectiva-se, na realidade, anémico. Não foi falta de aviso de que a previsão inicial era sonhadora ou mesmo fantasiosa de diferentes quadrantes e dos melhores economistas da praça.  

Em consonância com as previsões mais realistas que, finalmente, com as instruções claras do Fundo Monetário Internacional (FMI) que é agora o árbitro implacável da política económica, a proposta de revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) foi entregue no Parlamento pelo Executivo e pretende cortar nove por cento na despesa pública. 

Como não estudámos a execução do OGE devidamente, a única coisa que nos diz esta nova proposta de revisão é a de que o Governo tenciona gastar menos do que tinha intenção de gastar na anterior proposta. Sendo que a distância entre as intenções do Governo, deste e do passado, e a materialização dessas intenções sempre foi e continua a ser gigante (que o digam os gestores provinciais que estão acostumados a receber cerca de metade do previsto). Esta revisão em baixa não sai do plano intencional pelo que não pode ser medida em termos concretos. 

Todo o exercício de planeamento do OGE lembra uma adivinhação que sabemos no passado nunca ter acertado, que não vai acertar agora e que apenas nos indica que, por ser mais conservadora, poderá, com alguma sorte à mistura, aproximar-se um pouco mais da intenção ora adoptada.  

Se esta conversa parece tenebrosa e descaracterizadamente negativa, poderá ser influência do livro que anda na minha cabeceira por estes dias, o ‘Think Like a Freak’ (qualquer coisa como ‘pense como um anormal’, em português) dos autores de ‘Freakonomics’, Steven Levitt’ e Stephen Dubner, que são exímios a encontrar perspectivas por explorar em fenómenos que o censo comum leva frequentemente a subavaliar e a banalizar e que recomendo ao querido leitor.  

Estou ainda nos primeiros capítulos, mas este exercício de revisão de um OGE que se sabe à partida que vai ter uma taxa de execução duvidosa cabe que nem uma luva nas palavras dos autores “pode ser muito difícil saber realmente o que causou ou o que resolveu um determinado problema - isto em situações passadas. Agora imagine-se o quanto mais difícil será prever o que vai funcionar de futuro”. 

Por aqui, com a falta de capacidade misturada com a falta de recolha e análise de dados económicos, o exercício não pode passar da semelhança com ‘chimpazés a fazer tiro ao alvo’ (coisas do mesmo livro).

E agora pergunto eu: é possível criar programas válidos uns atrás dos outros, fazer planeamentos de políticas económicas e de orçamentos gerais do Estado sem uma leitura, sem um estudo profundo e participado, sem números que meçam o impacto, positivo e negativo, dos anteriores? Este exercício dispendioso e que consome tanto tempo aos nossos governantes, meses para rever, para aprovar, e rever novamente, pode ter alguma esperança de se tornar útil para a comunidade sem o uso de números fiáveis na base? Se usassem números fiáveis nunca teriam previsto um crescimento acima dos quatro por cento.

O Instituto Nacional de Estatística, que a custo, porque os próprios ministérios são os primeiros a dificultar o acesso à informação, vai produzindo dados, como a própria execução do orçamento público na forma do relatório da Contas Geral do Estado, como os dados sobre o desemprego, que já anda pelos desgraçados 30 por cento da população activa, ou sobre a inflação, é frequentemente ignorado quando toca a lançar programas de cariz económico ou social. Isto porque o incentivo de lançar projectos e de aparecer nos jornais e na TV a inaugurar e a anunciar novos programas de combate a diferentes males é maior do que o de assegurar que esses programas têm chance de resultar. Pelo incentivo e porque depois ninguém se lembra dos programas, planos e estratégias que foram anunciados com pompa e circunstância. E sobretudo ninguém cobra porque o Parlamento, que nos devia representar e fiscalizar, anda distraído com assuntices, guerrinhas de partidos e gestão de cadeiras.