Herança política de José Eduardo dos Santos

Quase quatro décadas de um MPLA unido

Mestre em gerir silêncios, é com grande expectativa que os mais de três mil militantes, no congresso do MPLA, vão ouvir o discurso de despedida de José Eduardo dos Santos. Nos últimos tempos, tem insistido na “coesão e na unidade” do partido. Essa união é precisamente a maior marca que deixa num partido que, desde a sua criação, passou por diversas fricções.

Quase quatro  décadas de um MPLA unido

É a primeira vez, em quase 40 anos, que José Eduardo dos Santos preside ao congresso do MPLA, com a certeza de que não vai sair como líder. Nos conclaves anteriores, sempre obteve a unanimidade dos milhares de militantes, vindos de todas as províncias. Foi aclamado sobretudo quando era escolhido para encabeçar a lista do MPLA, como candidato à Presidência da República.

O congresso, que se realiza este sábado, vai elevá-lo à categoria de ‘Presidente Emérito do MPLA’, de ‘Membro Honorífico do Comité Central’ e de ‘Militante Distinto do MPLA’. São distinções que, há muito, os militantes do MPLA reservam para ele. Durante anos, colocaram-no num pedestal, ora como o ‘arquitecto da paz’, ora como ‘pai da nação’. Recentemente, o MPLA lançou uma obra, em três volumes, com os discursos de José Eduardo dos Santos ao longo de quase quatro décadas. Com a compilação de José Mena Abrantes, assessor e conselheiro do ex-Presidente da República, a obra é sobretudo um documento histórico que reflecte o pensamento, a estratégia e também as adaptações a que José Eduardo dos Santos foi sujeito.

Numa das suas primeiras linhas de acção, José Eduardo dos Santos já elegia o “acérrimo combate à corrupção”, desde 1980-. Ou seja, ainda ne,m tinha celebrado um ano na Presidência e já detectara um dos males da sociedade e da economia angolanas. Curiosamente, quase ‘ipsis verbis’, João Lourenço repete as mesmas ideias e também um ano antes de celebrar o primeiro aniversário como Presidente da República.

Analistas económicos e políticos são quase unânimes ao considerar que a corrupção foi, de facto, um dos maiores falhanços da Presidência de Dos Santos. Trinta e sete anos depois desse discurso na posse de novos ministros, José Eduardo dos Santos repetia os argumentos, defendendo que o “MPLA deve liderar o combate à corrupção e ao nepotismo” que “minam a imagem do Governo e de Angola”. Ainda em Dezembro do ano passado, num seminário organizado pelo MPLA, o líder do partido voltava à carga: “Nós próprios definimos em tempo oportuno a corrupção como o segundo principal mal que afectava a nossa sociedade depois da guerra, tendo em conta alguns excessos praticados por agentes públicos e privados, que obtinham de forma ilícita vantagens patrimoniais para si ou para terceiros, em prejuízo do bem comum envolvendo sempre uma transgressão da lei e da norma de comportamento social”.

Os ventos da História obrigaram-no a mudar o rumo. De uma economia planificada, obedecendo às directrizes ideológicas do marxismo-leninismo, Angola saltou para o mercado livre, mas com uma forte presença do Estado. José Eduardo dos Santos implementou vários programas económicos.  A inflação na década de 1980 levou a três trocas da moeda durante a década de19 90. Deixou de circular o ‘velho’ kwanza em favor dos novos kwanzas (NKZ). Em 1995, passou a circular o kwanza reajustado (KZR), e em 1999 reaparece o actual kwanza.

A ‘diversificação da economia’, muito por força da crise iniciada em 2014, entrou no vocabulário da governação para combater a excessiva dependência do petróleo. Apoio à agricultura, captação de investimentos estrangeiros, procura de melhorar as infra-estruturas e sobretudo o incentivo à criação de empresas entram nas preocupações governamentais.

Nas questões sociais, José Eduardo dos Santos apostou tudo nas centralidades e nos programas de combate à fome e à pobreza. O Kilamba é uma imagem que lhe fica colada, mas o ainda líder do MPLA queria implementar uma centralidade, pelo menos, em cada província. Na sua mais recente entrevista, ao canal português SIC, admitiu dedicar-se a iniciativas sociais, usando a Fundação Eduardo dos Santos (FESA) que ele criou para esses fins.

Na diplomacia, foi um pragmático. Fleumático nas relações e declarações públicas, conseguiu, apesar das pressões internacionais de todo o tipo, manter relações com todos os países. Sobretudo com as grandes potências, EUA, URSS (mais tarde, Rússia) e China. Recebe, de braços abertos, os investimentos chineses e incentiva a entrada da China na economia angolana. Antes disso, é reconhecido como o poder legítimo em Angola, pelas grandes potências, em especial, os EUA, não obstante enfrentar uma guerra civil no território nacional.

Ganha a guerra e, magnânimo, acolhe os vencidos, outrora derrotados, dando-lhes um tratamento especial. Enfrentou, por isso, oposição de parte do MPLA. Durante algum tempo, não se livrou de ser acusado, dentro do partido, de ter sido permissivo no tratamento a Jonas Savimbi.

De novo, a diplomacia permitiu-lhe captar apoios militares de Israel e da antiga Executive Outcomes, da África do Sul, que foram decisivos para derrotar a UNITA.