Menos táxis, lojas fechadas, mercados vazios e vendedores zangados

‘Operação Resgate’, um ‘tsunami’ em Luanda

Cantinas, lojas, padarias, casas de venda de peças e ‘janelas abertas’, locais de venda de bebidas alcoólicas e não só, fechadas. Mercados vazios, falta de táxis, excessos da polícia e enchentes nas repartições fiscais. Eis os primeiros resultados da primeira semana da ‘Operação Resgate’. Houve mais de 500 detidos.

‘Operação Resgate’, um ‘tsunami’ em Luanda
Mário Mujetes
duas mil viaturas sem autorização

Cantinas, lojas, padarias, casas de venda de peças e ‘janelas abertas’, locais de venda de bebidas alcoólicas e não só, fechadas. Mercados vazios, falta de táxis, alguns casos de excessos da Polícia Nacional e enchentes nas repartições fiscais é o cenário e balanço da primeira semana da ‘Operação Resgate’, iniciada a 6 deste mês. Em alguns mercados, já não há espaços para albergar vendedores de rua, os 30 mil lugares disponibilizados pelo Governo de Luanda foram preenchidos.

Outros mercados continuam vazios, mas as vendedoras não os querem ocupar. Na zona do ‘arreiou’, no São Paulo, Sambizanga, ainda se regista movimento de zungueiras com produtos nas mãos ou na cabeça. Mesmo com a presença policial, não arredam o pé. A administradora, Ana Rosa Lopes, confirma a cedência dos 512 lugares disponíveis, mas que a procura contínua. Por isso, as candidatas estão a ser cadastradas e enviadas para outros mercados.

Quem realiza comércio na zona do ‘arreiou’, no Marçal, deve ser colocado no mercado da ‘Chapada’, no Rangel. Mas os vendedores recusam-se por entenderem que só há clientes no São Paulo. O mercado “fica às ‘moscas’”, lamenta a responsável, que recorre às palavras das vendedoras que vêem São Paulo como o centro.

Nos Congolenses, foram disponibilizados dois quintais, transformados em mercados e passados para uma gestão privada.

O mercado é mais virado para as tecnologias, sobretudo na reparação de telemóveis, computadores, electrodomésticos e aparelhos de ar condicionado. Possui também uma zona para a venda de hortícolas e é nesta que foram acolhidas cerca de 500 vendedoras, que deixaram a zunga. Segundo a administradora Carla Lobato, essas já eram vendedoras que haviam “abandonado” o mercado, que tem capacidade para dois mil vendedoras e já se encontra lotado.

Há vários mercados ainda vazios nos municípios e distritos de Luanda. Um dos exemplos é do Quilómetro 12/A em Viana, com câmaras frigoríficas, uma creche e armazéns, que alberga apenas 100 pessoas, estando longe das suas capacidades. A praça do Nunes, na Maianga, e os mercados ‘Sinha Moça’, ‘28 de Agosto’ e o da avenida ‘Pedro de Castro Van-Dúnem Loy’, no Kilamba Kiaxi, estão desocupados.

O Quilómetro 12/A, no primeiro dia da ‘Operação Resgate’ recebeu uma avalanche de vendedoras, mais de 500, pelos cálculos da administradora Joana Lucas. À mesma velocidade com que entraram, no final do dia, abandonaram com o fundamento de que não estão a vender. Em Viana, existem 36 mercados, 12 de gestão estatal e 24 privados, nos quais, segundo o administrador, André Soma, têm livres cerca de três mil lugares. Só o do Quilómetro 12/A dispõe de cerca de dois mil lugares.

Em alguns bairros, continua a venda ambulante que, antes, ocupava  as avenidas e estradas principais. Voltar ao interior das comunidades tem sido a opção. O mercado do bairro Popular ainda tem disponíveis cerca de 120 lugares.

Nos ‘Correios’, considerada maior feira de venda de peças para viaturas, motorizadas e geradores, mais de 30 lojas estão encerradas, sobretudo as dos estrangeiros, provenientes da República Democrática do Congo, Mali e Nigéria. Os estabelecimentos foram encerrados em cumprimento do decreto ministerial que “proíbe” a venda de acessórios de automóveis no mercado informal, publicado este ano, com o objectivo de “travar” os furtos e roubos de viaturas.

 

Excessos da Polícia Nacional

Algumas vendedoras da zona do São Paulo têm acusado a Polícia Nacional de “invadir” as casas de processos, locais que servem para guardar as mercadorias, retirando todos os produtos que comercializam e fechando-as com novos cadeados. Teresa Ngueve queixa-se do modo como os polícias trabalham. Quando uma vendedora é detida, os agentes levam-na para o bairro Uíge, no Sambizanga, e só é libertada mediante o pagamento de cinco mil kwanzas.

Clementina Teresa acusa a polícia de ter tirado todos os produtos, incluindo material de uma igreja que aí se encontrava a ser guardado. Os agentes têm prometido devolver, mas isso não tem acontecido. Maria Paulo viu a sua mercadoria, avaliada em 200 mil kwanzas, ser retirada do processo pelo comandante identificado como Pina, responsável pelo posto do São Paulo. “Estou doente e não tenho mais mercadoria”, lamenta, com lágrimas nos olhos.

Entre os excessos da Polícia Nacional, destaca-se o ataque a Aryclene Arcanjo, que foi mordida por cães. Residente na Chicala II, vinda do ginásio, decidiu ir até ao São Paulo fazer compras. Ao sair de uma loja, foi atacada por um dos cães, que lhe mordeu no braço. Depois do alvoroço, os agentes colocaram-na numa esquadra móvel. Horas depois, levaram-na para o hospital ‘Américo Boavida’. Por falta de vacinas antirrábicas, não foi atendida, tendo regressado ao São Paulo. 

Aryclene Arcanjo acabou por girar com a polícia mais de 10 horas. Fez um curativo, mas sem apanhar a vacina antirrábica. Regressou, esta semana, ao Comando Provincial da Polícia de Luanda, para saber que seguimento poderia dar ao caso.

‘Operação Resgate’, um ‘tsunami’ em Luanda

Na conferência de imprensa de lançamento da ‘Operação Resgate’, o comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, explicou que o nome da Operação se justificava pela “necessidade de resgatar a autoridade do Estado, da ética, da ordem e da disciplina”. No entanto, prometia não fazer “guerra contra os pobres”. Nessa altura, apelou ao agentes para “não ficarem com os produtos das vendedoras”, ameaçando quem assim procedesse que seria responsabilizado “disciplinar e criminalmente”.

O ministro do Interior, Ângelo da Veiga Tavares, declarou que a Polícia Nacional (PN) e as outras forças têm ordens para “varrer” o país, aplicando “mão pesada”, para “acabar com as irregularidades existentes”.

 

Longas filas para obter documentos

As repartições fiscais estão a assistir a enchentes fora do comum, sobretudo em Viana e em Cacuaco. Em dias normais, atendem entre 300 e 400 pessoas. Depois da operação, estas cifras subiram para 1.400 utentes, ou seja, triplicaram os números. Aqui, pode tratar-se de cartões de contribuinte para actividade comercial e alvarás. Para se obter um cartão de vendedor, um candidato deve pagar 1.700 kwanzas, entregar duas fotografias, cópia do bilhete de identidade e uma capa de processo.

 

Táxis raros em Luanda

Por outro lado, há uma semana que não se registam, nas paragens, as habituais longas filas de táxis que esperam a vez de carregar. A redução de táxis foi confirmada pelo presidente da Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola (Anata), Geraldo Wanga, reconhecendo que “muitas viaturas circulavam de forma desleal”, com documentos falsos. “Como não estão a ser poupados pela operação, daí a redução”, admite o líder associativo. Geraldo Wanga alerta, no entanto, que cerca de dois mil taxistas ficaram desempregados. Só em Luanda, mais de duas mil viaturas estão sem autorização para o exercício do serviço de táxi, “Isso é preocupante”, remata o responsável.

A Anata tem 24 mil membros, 18 mil dos quais, em Luanda.

 

Mais de 500 detidos

O posto de Comando Superior da ‘Operação Resgate’ destaca a detenção de 509 pessoas, entre as quais três estrangeiros. No balanço da primeira semana, as autoridades destacam o encerramento de 39 igrejas, em Cabinda e Luanda, de três postos de saúde dentária, por “ilegalidade e mau estado de funcionamento”. Foram também apreendidos cinco toneladas de acessórios diversos de automóveis, 40 cartões de telemóvel, 2.414 telefones, 20 mil litros de combustível, 47 armas de fogo, 2.644 toros de madeira e 375 tábuas. 

O comando da ‘Operação Resgate’ é composto por polícias, militares e funcionários dos governos provinciais. O balanço foi apresentado esta semana em conferência de imprensa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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