Não-assunto

Há pouco menos de duas semanas, o presidente da FNLA juntou os militantes para avaliar a situação do partido. Numa tentativa frustrada de fuga à autocrítica, lançou-se contra os divisionistas internos num tom de quem se apanhou desprevenido pela quase falência do projecto político de Holden Roberto. Nada surpreendente. Os ‘lapsos de memória’ para os políticos são quase um estado de espírito permanente. Precisamente por isso é que editoriais, como este que retomamos hoje, têm a utilidade que têm. A 9 de Março de 2017, a pouco mais de cinco meses da eleição que tornou João Lourenço Presidente, o NG voltava a recordar o que era e o que se esperava do futuro imediato da FNLA. É preciso, pois, alguma falta de pudor para a actual liderança da FNLA perder-se em diagnósticos que roçam o ridículo: Eis o texto: 

A Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) passou a ser, verdadeiramente, um não-assunto há quase uma década. O último suspiro de dignidade existencial extinguiu-se com a morte de Holden Roberto, o fundador do partido, em Agosto de 2007. Se, volta e meia, é chamada para o espaço mediático, não é de certeza pelo seu simbolismo histórico. A razão é outra. A FNLA, entre nós, é o exemplo perfeito de como se destrói um partido, carimbado com o selo de maior movimento de libertação nacional, em determinada fase do nosso percurso histórico. Mas há ainda outra explicação mais chocante: o ‘partido dos irmãos’ é também o exemplo mais acabado de como a ambição doentia pelo poder pode ser levada ao extremo, ao ponto de precipitar a extinção de uma organização que representa aspirações de milhares.

O mais recente episódio deste drama de suicídio prolongado não poderia ser mais esclarecedor. A pouco mais de cinco meses das eleições, Lucas Ngonda e parte da FNLA desentendem-se à brava e encostam-se às cordas. O primeiro, o presidente do partido, é suspenso. Ao fecho desta edição, não se conhecia a reacção oficial de Lucas Ngonda, mas é fácil adivinhar que deve contestar a decisão anunciada por uma ala do comité central do partido. Geoveth de Sousa, um dos jovens que lhe é próximo e por sinal o porta-voz, já se antecipou, aliás, a classificar o afastamento de Lucas Ngonda como “golpe ilícito”. O defensor de Ngonda chega a tratar os mentores da decisão por insubordinados e diz que, na base desta novela, está o facto de os “golpistas” insistirem em não aceitar os resultados do congresso de 2015.

Em ano eleitoral, a nova confusão na FNLA tem, entretanto, necessariamente outras explicações mais práticas. A mais óbvia está relacionada com a luta pelo controlo das listas de candidatos que devem ser submetidas à validação do Tribunal Constitucional. Se organizações mais encorpadas, como a Casa-CE, fazem contas à vida para fecharem as listas, não se podia esperar melhor de uma moribunda FNLA.

O filme que se segue não será mais do que um ‘deja vu’. Lucas Ngonda vai submeter a sua lista ao Tribunal Constitucional. Fernando Pedro Gomes, o designado presidente interino, vai apresentar a sua com os seus pares. O Tribunal validará apenas uma, dando razão a um dos lados e reconhecendo-lhe legitimidade. A espera da decisão do Tribunal vai ser preenchida pelo ruído de acusações de parte a parte. E quem for legitimado vai caminhar mais desmembrado do que esteve até hoje.

Os herdeiros de Holden Roberto, depois de apagarem o último suspiro de dignidade, abafam assim o último gemido de sobrevivência. Terminam o percurso do inexorável desaparecimento da FNLA. Só a confirmação formal é que chega tarde: em Agosto. O resto está claro. A probabilidade de a FNLA eleger um deputado está quase fora de questão. Há uma teoria, aliás, que insinua que a chegada de Lucas Ngonda ao Parlamento, há cinco anos, já terá sido obra de magia. Ou de feitiço. Ou de batota. A crónica da morte da FNLA está anunciada há dezenas de anos.