Uma hipótese eleitoralista

Evaristo Mulaza

Evaristo Mulaza Director-geral do Nova Gazeta

Desta forma, aconteçam em 2020 ou em 2021, já que a hipótese de adiamento não é remota, as eleições locais devem encontrar os municípios uns verdadeiros canteiros de obra, à custa do desmantelamento do Fundo Soberano.

Há várias leituras para a decisão de João Lourenço de descapitalizar o Fundo Soberano de Angola. Uma é de natureza eleitoralista e a explicação é simples. O MPLA assumiu o compromisso de concretizar as eleições autárquicas no próximo ano. E o 2020 não só está à porta como deve encontrar os municípios pior do que estavam em 2017.

À beira de contabilizar dois anos de mandato, João Lourenço não tem mais para apresentar além de um combate à corrupção que várias vozes insuspeitas consideram controverso e selectivo. Tudo o resto ainda não pode ser dimensionado com resultados palpáveis. As reformas na economia, por enquanto, só podem ser elogiadas pela iniciativa, porque ninguém pode assegurar que todas as medidas darão certo. Mas, mesmo que parte dessas medidas funcione, os benefícios directos para a população não são para já. Enquanto isso, o Governo confronta-se com a crescente insatisfação popular. E não é para menos. Em menos de dois anos, os salários perderam mais de metade do valor, com o kwanza a descambar dos 167 em Outubro de 2017 para os 342 em Junho de 2019, face ao dólar. Os números oficiais do desemprego aproximaram-se de um terço da população economicamente activa e quem pode aplicar dinheiro para criar emprego diz que o clima é de receios. Sem investimento público, sem investimento privado e com o Fundo Monetário Internacional à perna a exigir mais impostos, o consumo quebra mais ainda e todos os factores indutores de confiança, no curto prazo, são anulados.

Consciente de tudo isso, o MPLA não podia avançar para a disputa nas autárquicas, sem seduzir os eleitores com alguma pompa e circunstância. E o programa integrado de intervenção nos municípios é um plano de encher os olhos. Tão feito à medida e à hora do confronto eleitoral, que, impossibilitado de contrair dívida, João Lourenço não vai hesitar em gastar dois mil milhões de dólares, antes destinados a gerar lucros para as poupanças do Estado. Desta forma, aconteçam em 2020 ou em 2021, já que a hipótese de adiamento não é remota, as eleições locais devem encontrar os municípios uns verdadeiros canteiros de obra, à custa do desmantelamento do Fundo Soberano.

Mas, é claro, o MPLA tem um trunfo na manga para se defender das críticas de um alegado aproveitamento eleitoralista. Bastará dizer que não faz sentido falar-se de poupança para as gerações de amanhã, quando há milhões de angolanos hoje com fome, sem escolas e sem hospitais. O argumento cola.