Solução equilibrada exige-se

Como ponto de partida, é preciso elogiar a intenção do Governo. O objectivo último subjacente à ‘Operação Resgate’ é vital para a consolidação da autoridade do Estado. Logo, é decisivo para a normalização da ordem e da tranquilidade públicas. Diremos até que, no limite, é indispensável para a salvaguarda da soberania. É impossível, neste particular, estar-se em desacordo com o Governo. A outra que se antecedeu – a ‘Operação Transparência’ –  enquadra-se também neste espírito. Em algum momento, o Estado tinha de agir para pôr fim a práticas nocivas que se normalizaram ao longo do tempo, por passividade do próprio Estado.

A controvérsia dá-se na forma como as autoridades entendem fazê-lo, começando pelo inexplicável sentido de urgência. O ditado popular, feito lugar-comum, diz que “a pressa é inimiga da perfeição”. E, em determinadas áreas deste ‘resgate’, sendo impossível atingir a perfeição, o Governo tinha a possibilidade de chegar próximo disso. O combate à venda ambulante é o caso mais flagrante. A organização da ‘zunga’, com mais tempo, permitiria necessariamente resultados menos dramáticos para as famílias que dela dependem. Para isso, era preciso estabelecer-se uma espécie de moratória que permitisse aos vendedores e ao próprio Governo arrumarem as condições, em função das responsabilidades de cada um. Obrigá-los a vender nos mercados que já existem resolve o problema do Governo, mas não resolve necessariamente o problema imediato das famílias. E a questão premente dos ‘zungueiros’, mais do que um espaço para exporem os produtos, é um local que lhes garanta que consigam vender de facto. Esse particular não pode ser relativizado, por existirem famílias que asseguram uma refeição ao dia com o rendimento diário que sai da ‘zunga’. Em Luanda, a transferência do Roque Santeiro, há vários anos, do ponto de vista dos vendedores, resultou numa experiência falhada. Precisamente porque o Governo não percebeu que um lugar qualquer não serviria. Se as autoridades querem uma solução definitiva e equilibrada não podem descurar, por isso, a questão da proximidade dos espaços de venda.

Outra forma de se organizar a venda ambulante, sem pressa, passaria por definir por fases os produtos a serem combatidos. Num primeiro momento, estariam considerados, por exemplo, os que agravam os riscos para a saúde pública, uma vez comercializados na rua. Todos compreendem, certamente, a urgência de se combater a venda de medicamentos e similares de rua, mas não perceberão, com a mesma emergência, a perseguição aos jovens que vendem calçados e livros. Isso significa que os produtos menos graves ou sem risco para a saúde poderiam ser organizados com mais tempo, tendo sempre presente uma solução equilibrada e contextualizada. Afinal, ninguém pode ter a ilusão de transformar as cidades angolanas em cidades europeias do dia para a noite. Mais do que isso, o Governo não se pode esquecer que a marginalização dos angolanos que se encontram na rua ocorreu, sobretudo, por responsabilidade do próprio Estado. Por isso, não podem ser combatidos, como se fossem criminosos.  

O tratamento que se deve reservara os cidadãos estrangeiros que vivem radicados sem Angola, em situação ilegal, é tema para os próximos capítulos.