África celebra 56 anos da fundação da Unidade Africana

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Em vésperas de mais um aniversário da criação da Organização da Unidade Africana, actual União Africana, o continente assiste a guerras, desemprego, fuga de quadros, falta de educação, de investimentos, entre outros. Especialistas angolanos reforçam a necessidade de os africanos arranjarem soluções sem “ajudas externas”.

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Fernando Manuel,

Fernando Manuel, historiador

África deve deixar de ser o corpo inerte em que cada abutre vem debicar o seu pedaço, como está a acontecer com o petróleo.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), anualmente, o continente africano perde mais de 100 mil quadros, entre desportistas, músicos, professores, engenheiros, entre outros. Esta ‘fuga de cérebros’ é causada pelos conflitos étnicos e pós-eleitorais, doenças e devido também à má governação, com destaque para os líderes que alteram as constituições para se manterem no poder sem dar possibilidades aos jovens, que se vêem obrigados a arriscar as suas vidas atravessando o Mar Mediterrâneo em busca de melhores condições de vida na Europa. Em termos sanitários, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o continente perde anualmente 2,4 mil milhões de dólares para tratar doenças como a malária e outras. A organização estima que, em 2015, foram perdidos 630 milhões de anos de vida ‘saudável’ devido às inúmeras doenças.

Nas vésperas de se celebrar, no próximo sábado, os 56 anos da fundação da Organização da Unidade Africana, actual União Africana, especialistas traçam um cenário de um continente marcado por diversos problemas, guerras étnicas, surgimento de muitas doenças, desemprego acentuado, analfabetismo e fuga de cérebros, problemas que, acreditam, “só serão ultrapassados com soluções africanas”.

 

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Especialista em relações internacionais e professor universitário Osvaldo Mboco considera existir uma “instrumentalização dos órgãos por parte do poder político em anos eleitorais, daí o surgimento dos conflitos pós-eleitorais”. Detecta uma “promiscuidade” nos órgãos judiciais, legislativos e outros que fazem com que o continente “não avance”. “África é o continente com maior número de jovens, mas, ao mesmo tempo, com mais analfabetos e desempregados”, lembra o especialista.

Osvaldo Mboco sugere que todos os países africanos tracem, como meta, a segurança colectiva, baseada no projecto da arquitectura da paz definido pela União Africana, para se evitarem aspectos que “descredibilizam” actos eleitorais, dando o surgimento dos conflitos pós-eleitorais. “Os vencedores de eleições devem também resolver os problemas étnicos, para evitarem conflitos étnico-raciais, por outra, os africanos devem ter noção de que os sentimentos étnicos não devem falar mais alto do que o sentimento nacional”, lembra. “A Conferencia de Berlim, em 1885, dividiu pessoas sem olhar as linhas étnicas. Tem um grande impacto nas guerras étnicas existentes no continente”, destaca Osvaldo Mboco.

“O futuro de África depende apenas dos africanos, não podemos olhar para a Europa ou América como soluções para as diversas situações que se registam”, sublinha o académico.

O historiador Fernando Manuel garante que a União Africana tem grandes desafios que passam pela resolução dos problemas da educação: “há um grande índice de analfabetismo e com muitas crianças sem acesso à escola”. Na saúde, “foram identificadas sete endemias no continente” e o “combate à corrupção é outro desafio”. O historiador elege ainda o “desemprego juvenil como uma das preocupações” e “os muitos líderes africanos que alteram as constituições para se manterem no poder, sem dar esperanças ou espaço para os jovens governarem os seus países”.

De acordo com o especialista, os problemas africanos “não podem ser resolvidos pelos estrangeiros, têm de ser resolvidos pelos africanos, mesmo que muitos países apontem os ex-colonizadores como causadores da “desgraça africana”.

Fernando Manuel, no entanto, não descarta a responsabilização dos colonizadores nos problemas que África vive. Por “pilharem recursos e riquezas do continente, deviam até indemnizar o continente”, defende. O historiador acusa ainda alguns europeus de terem provocado conflitos e mantido no poder líderes com mandatos resultantes da violação dos limites constitucionais. “Há países africanos que, para realizarem nomeações de dirigentes, consultam a França, para esta dizer algo sobre o perfil dos novos dirigentes, isso é triste”, lamenta. “Temos de criar instituições económicas, jurídicas e políticas fortes”, sugere.

Para se ultrapassarem muitos dos problemas, defende que haja mais investimentos e, recorrendo a uma ideia de Agostinho Neto, reafirma que “África deve deixar de ser aquele corpo inerte em que cada abutre vem debicar o seu pedaço, como está a acontecer com o petróleo, que é explorado no continente e refinado fora para depois ser revendido aos africanos”. “Os potenciais recursos existentes no continente devem ser explorados e transformados no continente”. O historiador acredita num progresso africano em que tudo será revertido para o bem dos africanos, todavia, para isso acontecer, deve haver uma “mudança de mentalidade” dos africanos, em que “possam valorizar os seus recursos naturais e humanos e colocá-los ao serviço do continente”.

 

Crianças, as principais vítimas

O relatório das Nações Unidas, publicado em Fevereiro, intitulado ‘O uso de crianças-soldado’, confirmou o uso de crianças na guerra na República Centro Africana, República Democrática do Congo, Mali, Somália, Sudão, Sudão do Sul e Nigéria. A organização estima a existência de dezenas de milhares de crianças a serem forçadas a participar em conflitos armados. O continente africano assistiu, em 2017, ao crescimento do número de crianças recrutadas pelo Al-Shabab (2.127), na Somália, e 203 usadas em ataques suicidas pelo grupo jihadista Boko Haram, nos Camarões e na Nigéria.

No Sudão do Sul, 1.221 crianças foram recrutadas, elevando para 19 mil o número de menores envolvidos no conflito que afecta o país desde final de 2013. Na RCA, foram recrutadas 14 mil crianças, ao passo que na RDC recrutados três mil jovens. Em termos globais, a ONU verificou também um aumento do número de crianças recrutadas, que, em 2017, atingiu os 8.185 menores em 15 países, um aumento de 159 por cento face aos 3.159 menores de 12 países estimados em 2012.

Os países do Norte de África, Líbia, Argélia, Tunísia e Egipto, estão a viver um clima de tensões políticas, militares e civis e terrorismo. Com o surgimento, em 2011, da famosa ‘primavera árabe’, a situação agravou-se e os países não voltaram à vida normal. Quase todos os dias são registados atentados, guerras ou manifestações. Em alguns países da chamada África Negra, também há conflitos, como é o caso da RDC, que originou um demorado processo para a realização de eleições.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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