O grande cazucuteiro

O grande cazucuteiro

“É um miúdo de vinte e poucos anos, que vive no Bengo, mas estuda numa universidade pública de Luanda. Como não tem família na capital, muitas vezes, costuma dormir numa esquadra da polícia.”

Mal me disseram isso, percebi que se tratava de um jovem cuja história de vida resultaria numa reportagem altamente suculenta. Então, sem perda de tempo, liguei para o rapaz, agendando, para o dia seguinte à tarde, o encontro em que ele me contaria a sua incrível história.

No dia combinado, fui à universidade, mas não consegui localizá-lo! Como o rapaz tinha o telefone desligado, decidi recorrer à associação dos estudantes, mas aí surgiu outro problema: eu não sabia o nome completo do miúdo, pelo que os colegas não me puderam ajudar.

Frustrado, com ligeira irritação pela falta de respeito do gajo, enviei-lhe uma mensagem telefónica, protestando por me ter feito perder tempo. No dia seguinte, de manhã cedo, o rapaz respondeu-me da seguinte forma: “Bom dia, tio pesso as minhas sincerá disculpa por não a parecer onte… não tinha dinheiro para o táxi e também não apareceu boleia e o meu telefone não tinha carga.”

Pela universidade que dizia frequentar, surpreendeu-me que o jovem escrevesse com esses erros! Contudo, ao lembrar-me de licenciados com desempenho pior, desculpei o miúdo, até porque só andava no 2.º ano do curso! Liguei para ele e voltamos a combinar um novo encontro no mesmo local.

Foi numa tarde de sexta-feira. Mesmo com o calor que se fazia sentir, o rapaz estava enfiado num casaco preto com lantejoulas azuis e vermelhas. Magro, sempre com o olhar enterrado no chão, o jovem cumprimentou-me com um nervosismo que me deixou desconfiado! Então, liguei para um dos membros da associação dos estudantes e este jurou, depois das informações prestadas pelo meu entrevistado, que o jovem não estudava naquela universidade. Fomos à secretaria e a base de dados trouxe a confirmação: o rapaz era um burlador!

Mais do que zangado, fiquei assustado com o que me teria acontecido, caso a matéria fosse publicada no jornal. Provavelmente, a polícia explicaria que a esquadra não é hotel nem dormitório de estudantes e a universidade emitiria um comunicado a rir-se de um jornalista boelo que se deixou enganar por um grande cazucuteiro!

 

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