ANALISTAS MOÇAMBICANOS

Julgamento de Chang nos EUA será isento de manipulação

Analistas moçambicanos disseram hoje que um eventual julgamento do antigo ministro das Finanças Manuel Chang nos EUA será mais livre e isento de manipulação política, permitindo o conhecimento de mais informação sobre o caso das dívidas ocultas.

Julgamento de Chang nos EUA será isento de manipulação
D.R

 

O Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, ordenou na quarta-feira à África do Sul a extraditar Manuel Chang, preso há 34 meses sem julgamento, para os Estados Unidos, invalidando a extradição para Moçambique.

Mas, na quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República de Moçambique anunciou que vai recorrer da decisão.

Comentando a decisão do tribunal sul-africano, Muhamad Yassine, docente de Relações Internacionais na Universidade Joaquim Chissano, instituição estatal, disse à Lusa que o sistema de "delação premiada" muito usado na justiça penal norte-americana e a possibilidade de a acusação apresentar "todo o manancial de informação" sobre as dívidas ocultas poderão ser um incentivo para Manuel Chang colaborar plenamente para o apuramento da verdade. 

"Manuel Chang poderá sentir-se incentivado a colaborar com a justiça norte-americana, no âmbito da negociação da pena", afirmou Yassine, antigo deputado da Assembleia da República de Moçambique.

Num tribunal norte-americano, o antigo ministro das Finanças também não estará legalmente vinculado ao dever de confidencialidade ou de segredo a que estará, se for julgado em Moçambique, dado que os actos que lhe são imputados foram praticados na qualidade de servidor público, avançou.

"A pressão política para que não se ´estique muito` em relação ao papel do seu antigo chefe no governo [o Presidente Armando Guebuza] e do antigo colega ministro da Defesa [Filipe Nyusi, actual chefe de Estado] será maior, se Manuel Chang for julgado em Maputo", declarou.

Muhamad Yassine recordou que um dos principais arguidos no julgamento em curso em Maputo disse em tribunal que Filipe Nyusi recomendou a Manuel Chang o recurso ao Credit Suisse para a contracção de parte das dívidas ocultas.

Yassine considerou coerente a decisão da juíza do Tribunal Superior de Gauteng que ordenou a extradição de Chang para os EUA, lembrando que o pedido deste país foi o primeiro em relação ao da justiça moçambicana.

"O tribunal entendeu que a acusação norte-americana está muito mais avançada que a investigação em Moçambique sobre Manuel Chang, onde ele ainda nem arguido é", afirmou.

Borges Nhamire, jurista e pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP), organização não-governamental moçambicana, também defendeu que o julgamento de Manuel Chang nos EUA terá maior credibilidade, porque a justiça norte-americana tem muito mais elementos do que Moçambique.

"A investigação norte-americana baseou a sua acusação com aquela máxima deles de ‘seguir o rasto do dinheiro’ e tem muita informação", frisou.

Com Chang em tribunal nos EUA, a justiça deste país terá a oportunidade de ouvir especialistas e investigadores, incluindo do FBI, que são detentores de informação valiosa, como se viu no julgamento de Jean Boustani, explicou Nhamire.

Jean Boustani foi absolvido em tribunal nos EUA, depois de ter sido acusado de pagar subornos alimentados com o dinheiro das dívidas ocultas, em nome do grupo Privinvest, empresa de estaleiros navais com sede em Abu Dhabi, acusado de ter sido o motor dos contratos que deram origem aos empréstimos.

Borges Nhamire considerou imprudente antecipar a absolvição de Manuel Chang nos EUA, como aconteceu com Jean Boustani, observando que o antigo ministro das Finanças será julgado como dirigente estatal à data dos factos e revestido de maiores responsabilidades, enquanto o negociador da Privinvest foi julgado como um ente privado.

Nhamire assistiu ao julgamento de Jean Boustani em Brooklin, tendo escrito sobre as audiências para um boletim do CPI.

Fernando Lima, jornalista e presidente da Mediacoop, primeiro grupo de media privado em Moçambique, também considerou que um julgamento de Manuel Chang nos EUA poderá ser mais "profícuo", porque a justiça norte-americana tem a dianteira da investigação ao caso das dívidas ocultas.

"Há precedentes, como a absolvição de Jean Boustani, que podem estimular Manuel Chang a colaborar mais activamente com a justiça norte-americana do que se for julgado em Moçambique", enfatizou Fernando Lima.

Por outro lado, em Maputo, prosseguiu, é maior "o risco de contaminação política do julgamento de Manuel Chang", devido à presente de vários poderes e interesses.

Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,2 mil milhões de dólares secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos sectores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.

A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.

Manuel Chang é investigado nos autos de instrução preparatória, num processo autónomo, registado sob o n.º 1/PGR/2015 e n.º 58/GCCC/2017-IP que correm termos na PGR de Moçambique, segundo o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique, em 31 de Janeiro de 2019, que instruiu o pedido de extradição moçambicano, consultado pela Lusa.

No julgamento do processo principal das dívidas ocultas, que decorre em Maputo, estão sentados no banco dos réus 19 arguidos que o Ministério Público acusa de associação para delinquir, peculato, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.

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