Pobreza extrema com tendência a subir

Um em cada três angolanos vai ser pobre em 2020

Em Angola,vivem actualmente oito milhões de pessoas em pobreza extrema, com menos de 1,90 dólares por dia, equivalente a 571 kwanzas. Até 2020, este número deverá subir para quase nove milhões, tendo em conta o crescimento da população. Assinala-se a 17 de Outubro o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza. Estima-se que no mundo haja mais de 660 milhões de pessoas na pobreza extrema e um quarto deste número vive na região da SADC.

Um em cada   três angolanos vai ser pobre   em 2020
Mário Mujetes
Willy Piassa

Willy Piassaporta-voz da rede urbana de luta contra a pobresa

Só conseguiremos dizer que os angolanos vivem bem quando 70 por cento da população estiver na faixa de classe média.

As histórias das famílias de Maria de Fátima e Amélia Cortês não são casos isolados num país onde mais de oito milhões de pessoas vivem em pobreza extrema. Para estas duas famílias, os 1,90 dólares ou 571 kwanzas por dia que marcam a linha que separa a pobreza da pobreza extrema são quase sempre uma miragem, que só chega com a ajuda de vizinhos ou amigos. E não chega todos os dias.

Numa família normal, 12:30 é a hora em que começa a ser servido o almoço. Na casa de Alberto Elias e Maria de Fátima, no Zango 3, em Luanda, a história é diferente. Panelas arrumadas, lenha apagada e nem restos de cinzas. Sinal de que não houve nada para comer. Um cenário que não é novidade, já que o casal depende de ajuda para se alimentar. Mas nem todos os dias a comida chega à mesa.Quando não há um ‘anjo’ que caia do céu, a solução é dormir, mas com o estômago vazio.

Maria, apesar dos seios secos devido à má alimentação,vai fazendo o que pode para amamentar o filho caçula, de um ano e três meses. 

O azar bateu-lhes à porta quando o marido, que trabalhava como técnico de frio, ficou inválido após uma trombose, em 2016. De lá para cá, as condições, que já eram difíceis, tornaram-se precárias. Foram despejados da casa arrendada no Zango 1 com os nove filhos. Foram parar ao Zango 3, numa casa de chapa de zinco, já com fortes sinais de degradação, cedida pela irmã de Alberto.O pequeno espaço tem apenas um quarto em que cabe uma cama e uma sala, que também serve como cozinha. 

Um em cada   três angolanos vai ser pobre   em 2020

A miséria obrigou-os a uma decisão difícil: entregar os oito filhos a um centro de acolhimento para que pudessem continuar os estudos e deixar de passar fome. Esta família faz parte dos milhões de angolanos que não têm acesso a serviços básicos como água e energia eléctrica. Doente e sem dinheiro para a medicação, Alberto vê o seu estado de saúde agravado todos os dias.

No centro de Luanda, no Rocha Pinto, a história repete-se. A família de Amélia Cortês, de 25 anos e com quatro filhos, depende do dinheiro dos biscates do marido, que é roboteiro. Mas nem sempre os ‘trocados’ chegam para a única refeição diária da família. “Se não conseguir, ficamos mesmo assim sem nada para comer. Ainda não comemos nada. Com o ‘bocado’ de fuba de milho, fiz papa para as crianças”, conta a jovem, que deixou o Huambo na esperança de dias melhores em Luanda. Mas só encontrou mais fome e miséria. Tudo o que têm foi-lhes cedido, até a própria casa.

Mais pobres

De acordo com o relatório de 2017 sobre as Perspectivas da Pobreza na África subsaariana, do Grupo Banco Mundial, actualmente 30,3 por cento dos angolanos vive com menos de 1,90 dólares por dia, estimativa que deverá manter-se até 2020. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), Angola tem actualmente perto de 30 milhões de habitantes, o que significa que pouco mais de 8,8 milhões vivem na pobreza extrema, “número que deverá aumentar para 8,9 milhões até 2020”, lê-se no relatório, que justifica essa subida com o crescimento da população. Ao câmbio actual, esses 1,90 dólares correspondem a 571,9 kwanzas.

O Banco Mundial alerta que o Governo tem como um dos principais desafios “desenvolver de forma rápida e eficaz uma rede de segurança social que permita mitigar os impactos negativos da agenda de reformas”, caso contrário, “podem aumentar os riscos de oposição a estas reformas”, num país em que a “experiência mostra” que o crescimento económico suportado pelo petróleo tem sido insuficiente para diminuir o número de pessoas na pobreza extrema. Já o World Poverty Clock (WPC), uma ferramenta online financiada pela Alemanha e que mede em tempo real o peso da pobreza no mundo, revela que, até Janeiro, 30,3 por cento da população angolana vivia com menos de 1,90 dólares por dia. Olhando para os dados do WPC, Angola contraria a tendência da redução da pobreza global que, nos últimos anos, registou uma queda de nove por cento entre Janeiro de 2016 e Janeiro de 2018, passando de 726 milhões para 660 milhões de pessoas. No mesmo período, Angola passou de 7,2 milhões de população em pobreza extrema para 8,2 milhões, um aumento de 14 por cento, equivalente a mais de um milhão de pobres, num período em que a população cresceu dois milhões.  

PDN optimista

O Governo reconhece que, desde o início do século, quase metade da população terá saído do limiar da pobreza absoluta. A ‘medição’ da pobreza no mundo deixou de estar focada apenas no rendimento das pessoas, passando a medir outras condicionantes como o acesso à água potável, mortalidade infantil, nutrição, escolaridade, saneamento e bem-estar da população em geral. É a chamada pobreza multidimensional. De acordo com a iniciativa de Oxford para Pobreza e Desenvolvimento Humano (OPHI), 48 por cento da população angolana vive numa situação de pobreza multidimensional, enquanto em 2001 era de 77 por cento. De acordo com o OPHI, os indicadores que mais contribuem para a pobreza no país são as privações em anos de escolaridade, a frequência escolar e a nutrição.

O Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2018/2022) explica que “a pobreza em Angola remete para a grande desigualdade na distribuição de rendimento e a existência de uma parte significativa da população submetida a condições mínimas de dignidade e cidadania”. E acrescenta que está ainda associada “às sequelas do conflito armado, mas também a uma forte pressão demográfica, à degradação das infra-estruturas económicas e sociais, à dificuldade de acesso aos serviços de educação, saúde e protecção social e à insuficiência da oferta interna de bens alimentares essenciais”. O número de pobres em 2014 era de 9,4 milhões, registando-se uma taxa de incidência de pobreza de 36 por cento. O objectivo do PDN é reduzir até 25 por cento em 2022. Tendo em conta as projecções de crescimento da população, que é de três por cento ao ano, significa que, até 2022, a população estimada será de 32,9 milhões. Contas feitas, 25 por cento desta população equivale a 8,2 milhões de pessoas em pobreza multidimensional.

UCAN contraria Governo

Enquanto os dados oficiais indicam uma taxa de pobreza de 36 por cento, o Relatório Económico de Angola/2017 da Universidade Católica (UCAN), divulgado na segunda-feira, avança uma taxa de incidência de 52,1 por cento, pelo facto de o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não ter acompanhado o crescimento demográfico. Mais da metade da população, ou seja, mais de 15 milhões, é pobre.

Willy Piassa, porta-voz da Rede Urbana de Luta Contra a Pobreza, reconhece que a crise tem aumentado o número de pessoas na pobreza e precariedade. “Um dos grandes indicadores é o nível de empregabilidade”, explica. “Há uma diminuição da renda em muitas famílias e isso reflecte-se no crescimento do mercado informal”, acrescenta.

Um dos objectivos da Organização das Nações Unidas para 2030 é erradicar a pobreza no mundo. Em Angola, a meta poderá não ser alcançada. Piassa entende que, caso haja mudanças de política e a criação de um melhor ambiente económico, poderá ser possível. Explica que o ideal é as pessoas passarem para a classe média. “O grande esforço do Governo deve ser na criação de classe média. Só conseguiremos dizer que os angolanos vivem bem quando 70 por cento da população estiver na faixa de classe média.”

 

 

 

 

 

 

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