Músicos e dançarinos alertam para a confusão entre os dois estilos

Semba e kizomba, juntos e pouco misturados

Músicos e dançarinos alertam paras as dificuldades em diferenciar os passos do semba e da kizomba e que, lá fora, os estilos estão a ser distorcidos. Mas justificam pelas semelhanças que ambos apresentam e esclarecerem que o semba explora o salão, enquanto a kizomba, como ‘filha do semba, permite mais criatividade. Os estilos já ganharam notoriedade internacional, desde que, em 2009, se realizou o primeiro festival de dança kizomba e semba.

Semba e kizomba, juntos e pouco misturados

Dom CaetanoMusico

Não podemos fazer confunsão, uma coisa é semba outra é a kizomba

É do masemba que surge o semba, do quimbundo, ‘umbigada’. O semba nasce nas rodas das farras rurais dos bairros Camama, Marçal, Cabíri e Ilha do Cabo, em Luanda, nos anos de 1950, onde se assume como dança, isto é, mais dançada pelos axiluanda. Mais tarde, mais propriamente na década de 1980, nasce a kizomba, que significa ‘festa’ em quimbundo, e que teve como principais percussionistas os grupos musicais ‘Os Fachos’ e ‘SOS’. O estilo começa a individualizar-se como dança. A sua internacionalização, enquanto música, começa com Eduardo Paim, levando o estilo para as terras lusas.

Com algumas semelhanças na execução, fica difícil diferenciar quando é que se está em presença de uma ou de outra dança, confirma o músico e compositor Dom Caetano, que assegura que “os jovens hoje têm dificuldade” em diferenciar o semba da kizomba, enquanto dança, e aconselha que haja mais eventos esclarecedores que falem sobre esses estilos e não só. Embora reconheça as semelhanças, no entanto, alerta para a necessidade de os destrinçar. “Não podemos fazer confusão, uma coisa é o semba outra é a kizomba”, reforça, exemplificando que a semelhança entre o semba e a kizomba é como bolero, que tem passos que se assemelham ao tango. “A kizomba nós inventámos, é uma fusão entre o zouk e o semba”, explica.

Já para Eduardo Paim, que foi galardoado com prémio carreira no Top dos Mais Queridos deste ano, esclarece que a kizomba “surge como uma alternativa” ao semba, porém, entende que, à medida que o tempo passa, “outros estilos vão aparecendo, inspirados na nossa própria identidade cultural ou daquilo que a nossa própria convivência nos leva a consumir e há-de ser assim, pelo resto das nossas vidas”.

Outros lamentos partem do ‘showman’ Yuri da Cunha, que critica os fazedores, pois entende que deviam reunir-se para ensinar e dividir o semba em subestações: “Há a estação principal que é o semba, como existe no Brasil com o samba, ‘samba enredo, samba canção entre outras. Vamos mostrar o que é o semba, o que é a kizomba e ensinar como se faz o ‘semba canção’, por exemplo, o ‘semba boémio’ entre outras nuances do semba, é isso o que devemos fazer”, desafia. “Os mais novos fazem a kizomba, que hoje se chama gueto zouk, porque, lá fora, as pessoas dançam kizomba, em bits de gueto zouk.”

 

O estado e preservação dos estilos

Semba e kizomba, juntos e pouco misturados

A representatividade internacional destes estilos tem despertado preocupações, para os promotores, como é o caso de Mucano Charles, que alerta sobre “os perigos bem visíveis”. O promotor acredita que, se nada for feito,  “poderemos vir a perder esta nossa bela arte”. Entende que a forma como os europeus transmitem a kizomba “é completamente errada”, acusando-os de “inventarem fórmulas e de não respeitarem as bases e as origens”.

Sendo a kizomba a dança do momento, Mucano Charles avisa que “há muitos oportunistas” que vão realizando festivais de kizomba com o objectivo do “lucro fácil sem a preocupação da qualidade, em que são convidados alguns chamados instrutores de kizomba, mas na maioria nem sabem”.

Para o promotor, o Ministério da Cultura devia “fazer mais”, porque não sente que “os estilos estejam protegidos como deviam ser”. No entanto, acredita que as coisas mudem, por causa do “impacto que os estilos causam fora de Angola já se faz sentir internamente”.

O dançarino Gato Vaiola critica a juventude por “misturar tudo”, acusando-a de ir buscar toques de lambada para pôr no semba, apesar de admitir que “tem de haver inovação”. Mas realça que “não se pode confundir pôr toques da rumba, samba, lambada, kuduro, no semba. É necessário ter-se cuidado com a patente da dança, porque os formadores que estão no estrangeiro fazem mistura que poderá levar depois a outras ‘nuances’.”, adverte.

Mucano Charles garante que, a nível nacional, os dois estilos “gozam de boa saúde”, exemplificando com “a quantidade de escolas espalhadas pelo país, com os bailes nos bairros e festas de quintal, reconhecendo que tudo isto “são sinais de que consumimos bem as nossas danças”. No entanto, no contexto internacional, vê que os dois estilos “estão muito doentes, onde cada segundo surge nova dança, distorcendo completamente a sua forma.”

 

 

 

Festivais pelo mundo

 

Foi realizado pela primeira vez em Angola o 1.º concurso nacional de dança de kizomba e semba, em 2009, organizado, pelo promotor de eventos Mucano Charles, em que o grande objectivo era a internacionalização dos estilos. São os ‘embaixadores’ da kizomba e semba para o mundo. China, Portugal, Holanda, Itália, Canadá e Finlândia são os países que já têm os festivais de semba e kizomba, como ‘tradição’.  O número de interessados não pára de crescer. Nomes como Mucano Charles, Mestre Pitchu, Dasmara, El Corte, Bonifácio Áureo, Albina Assis, Galo Java, Dino Cruz, Vivaldo Neto da Silva, Carlos Camba,  Hernury Jamba, David Pacavira e Fernando Karipande são alguns dos principais responsáveis pela internacionalização dos estilos angolanos pelo mundo.

 

 

Origem das danças

O semba tem origem no masemba, um género de música e de dança tradicional angolana que se tornou muito popular nos anos 1950. Significa ‘umbigada’ em kimbundo e representa “o corpo do homem que entra em contacto com o corpo da mulher ao nível da barriga”. A batida do semba é rápida e bem perceptível. Kizomba significa ‘festa’ em kimbundo. Tem as suas origens estilísticas do semba, kilapanga e do merengue angolano. Surge em finais dos anos 1970 e início dos anos de 1980. Contém os subgéneros como a passada, quadrinha e tarraxinha.

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