Governo vai investir mais de 15 mil milhões em novos projectos

Quase metade da população sem água potável

Em Angola, apenas cerca de 60 por cento da população tem acesso à água potável. O resto consome água de lagos e rios que são fontes de doenças infecciosas e diarreicas, contribuindo para a desnutrição e mortalidade infantil, que permanece com taxa elevada, de 81 mortes por cada mil nascimentos. Recentemente, o Governo anunciou a intenção de investir mais de 15 mil milhões em projectos para a expansão da água potável.

Quase metade da população sem água potável
Santos Sumuesseca
Moradores do kikuxi a tirar água do canal para o consumo
Conceição André

Conceição AndréMoradora do KIkuxi

Como é possível que nós, que estamos próximos de uma fonte de água, estamos a beber água suja e os que estão distante bebem água boa?

Apesar de ter uma vasta costa atlântica e incontáveis rios, Angola é o país em que menos pessoas têm acesso à água potável no mundo, segundo um relatório da organização não-governamental ‘WaterAid’, divulgado no ano passado, em que afirma que é um luxo para 71,8 por cento da população rural.  No país, há populações que têm de percorrer todos os dias grandes distâncias para levar alguns litros para casa. E, muitas vezes, a água é retirada de locais não apropriados como rios, lagos ou canais a céu aberto e que são autênticos depósitos de lixo e fontes de doenças.

Morador do Bairro Bita, em Luanda, Domingos Zangalo é um dos 4,5 milhões de angolanos, ou seja, 16 por cento da população, que todos os dias têm de percorrer mais de 30 minutos para ter acesso à água, a maior parte das vezes não tratada, de acordo com o último relatório conjunto da Unicef e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre água potável, saneamento e higiene, em que foram analisadas situações até 2016. Na casa deste jovem de 27 anos, esta é uma tarefa atribuída aos rapazes, já que as raparigas ainda são muito novas e vão à escola. Ao contrário de alguns vizinhos que usam ‘carro-de-mão’ para carregar os bidões, a Domingos não resta outra opção a não ser carregar nas mãos os cerca de 40 litros que o obriga a fazer, pelo menos, três vezes por dia, a mesma viagem de quatro quilómetros de ida e volta. A água que o ‘obriga’ a percorrer longas distâncias custa 50 kwanzas por bidão nem sequer é tratada. São águas vendidas em tanques abastecidos por cisternas, que, muitas vezes, são retidas de fontes duvidosas e provocam doenças graves como diarreias, doenças infecciosas como cólera, sarna, infecção urinária, algumas delas mortais. “Consumimos essa água porque não temos outra opção”, afirma.

A diarreia, lembra a Unicef, mata, no mundo, todos os anos, 361 mil crianças com menos de cinco anos, provocada pela falta de saneamento básico, água contaminada e pela transmissão de outras doenças, como cólera, disenteria, hepatite A e febre tifóide. Em Angola, as doenças diarreicas são responsáveis por cerca de 18 por cento das mortes de menores de cinco anos, sendo muito comuns em crianças em idade escolar. No ano passado, a Direcção Nacional de Saúde Pública teve o registo de mais de 734 mil casos de diarreia com desidratação em menores de cinco anos e disenteria.

Do outro lado da cidade, junto à via Expresso, a água canalizada é um sonho sempre adiado para as famílias. Os moradores do Kikuxi, que mesmo a poucos metros de uma zona onde há abundância de água, vivem os mesmos dramas dos 44 por cento de angolanos, mais de 12 milhões, que não têm acesso à água tratada, de acordo com números da Unicef. Por lá, passa o canal que abastece grandes fábricas como a Refriango e o centro de captação e tratamento de água que abastece quase toda a cidade.

Mas a água às casas chega quase sempre transportada em bidões com todos os riscos que acarretam, uma vez que é recolhida num canal a céu aberto e que serve também de depósito de lixo, de zonas de banho, de lavagem de roupa e para a irrigação de plantas. Há até relatos de pessoas, principalmente crianças, que morrem afogadas ao tirar água do canal.

Os moradores mostram-se inconformados. Apesar de viverem junto ao canal que abastece Luanda, mesmo assim não têm água canalizada. “Como é possível que nós, que estamos próximos de uma fonte de água, estamos a beber água suja os que estão distante bebem água boa?”, questiona Conceição André. “Aqui, neste canal, morrem pessoas, cães e mesmo assim bebemos esta água”, conta a moradora, que vive no bairro desde o fim da guerra. Doenças como cólera e infecções são frequentes entre os moradores, principalmente nas crianças. “Vivemos à rasca”, lamenta.

A falta de dinheiro para comprar lixívia ou qualquer outro produto para o tratamento da água é quase sempre a justificação apontada pelos moradores. Na falta de dinheiro, a solução é arriscar e beber água tal como ela foi retirada do canal.

A situação alastra-se um pouco por todo o país. No Kuando-Kubango, por exemplo, Pascoal Baptistiny, director da organização Mbakite, conta que a comunidade san, que a organização apoia para a inclusão em projectos sociais, para conseguir chegar ao rio para terem água para o consumo, tem de percorrer cerca de 18 quilómetros todos os dias.

O relatório, divulgado no ano passado, mostra ainda que cerca de 884 milhões de pessoas, maioritariamente na África subsariana, permanecem ainda sem acesso à água potável.

 

A urinar sangue há três meses

A água não tratada está associada a vários surtos de doenças que se têm registado no país. O mais recente é o da cólera que, desde o início do ano, já provocou 15 mortos em mais de 950 casos suspeitos. Desde Janeiro, houve surtos em três províncias e sete das 18 províncias apresentam riscos elevados. A Unicef estima que em Angola existam cerca de 700 mil pessoas com necessidade de acesso à água tratada e, destas, mais de 408 mil sejam crianças.

Em Mazozo, Catete, a mais de 50 quilómetros de capital, Luanda, há crianças com sarna e a urinarem sangue devido ao consumo de água do rio. Uma das pessoas afectadas é o filho de 13 anos de Venâncio António. O rapaz apresenta sintomas de infecção urinária que já dura há três meses. O bairro tem apenas um posto médico, que não tem medicamentos e o único hospital fica a mais de 10 quilómetros. Nesta família, sem condições financeiras, os medicamentos já acabaram, agora só resta esperar que passe.

Luzia da Cunha, moradora do bairro Mazozo Lagoa há mais de 20 anos, nunca teve água canalizada e a solução é andar cerca de 20 minutos até ao bairro mais próximo, que tem uma fonte de água, mas que sai a conta-gotas e tem falhado diversas vezes. A solução passa por consumir água do rio. “Primeiro, desinfectamos com a lixívia”, explica. Mas isso, nem sempre acontece.

 

 

Água para quase todos

O Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2018-2022) mostra que, actualmente, a taxa de cobertura urbana do abastecimento de água potável se situa nos 60 por cento e a taxa de cobertura rural nos 66 por cento.

Desde o lançamento a Julho de 2007, o Programa ‘Água para todos’ permitiu a construção de 3.313 pontos de água e 1.154 pequenos sistemas de abastecimento de água aos quais acrescem 338 pequenos sistemas que existiam à data de arranque do programa. Actualmente, a taxa de operacionalidade dos sistemas construídos é de 60 por cento. Considera-se que, actualmente, 60 por cento dos sistemas (sejam pontos ou pequenos sistemas de abastecimento de água) estão em funcionamento, sendo necessário recuperar cerca de 40 por cento.

O PDN prevê que até 2022, 85 por cento da população tenha acesso à água nas zonas urbanas e 80 nas áreas rurais. Na semana passada, foi anunciado um investimento de mais de 15 mil milhões de dólares para projectos de ampliação do sistema de energia eléctrica e expansão de acesso à água potável nas zonas urbanas e rurais do país.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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