UNTA denuncia aumento de casos

Domésticas são as principais vítimas de assédio

A federação sindical, UNTA, mostra-se preocupada com o número de casos de assédio sexual no local de trabalho. Denuncia que a Função Pública é a “campeã”, mas lamenta as resistências de as mulheres apresentarem queixas. O sindicato garante que as principais vítimas são as trabalhadoras domésticas e quer uma lei para a criminalizar o assédio.

Domésticas são as principais vítimas de assédio

Maria FernandaRepresentante da UNTA

Os gestores públicos assediam moralmente as trabalhadoras quando querem atingir algum fim. Utilizam a prepotência.

As trabalhadoras domésticas lideram a lista de vítimas de assédio sexual, de acordo com o Comité da Mulher Sindicalizada da União Nacional dos Trabalhadores Angola (UNTA). Em declarações ao NG, a presidente da organização, Maria Fernanda, afirma que, apesar de não haver registos estatísticos, as queixas que chegam à instituição são, na maioria dos casos, ligadas ao trabalho doméstico. “Elas trabalham num sítio fechado. E são um alvo fácil porque são pessoas de rendimento baixo. E muitas ficam expostas ao assédio porque o empregador é solteiro ou tem instabilidade no relacionamento”, justifica Maria Fernanda

A falta de uma base de dados deve-se à inexistência de recursos para a realização de estudos e, por outro lado, à falta de hábitos de denúncia dos casos. Mesmo assim, Maria Fernanda garante que os números são “bastante preocupantes”. “No início, tínhamos apenas casos esporádicos. Nos últimos tempos, têm sido mais frequentes”, acrescenta. “As pessoas preferem calar-se e viver com este mal, mesmo correndo o risco de chegar ao extremo”, afirma a presidente, referindo que “muitas, quando são casadas, não denunciam por a sociedade as condenar e não ao homem”.

Num diagnóstico feito em Dezembro, pelo Observatório de Políticas Públicas da Perspectiva de Género (ASSOGE), com a participação de mais de 500 trabalhadoras domésticas, 13 delas relataram situações de assédio sexual no exercício das funções, sendo que duas se queixaram de tentativas de violação e uma de violação consumada por parte do empregador.

Delma Monteiro, secretária-geral da ASSOGE, revela, como uma das conclusões do inquérito, que as vítimas não se queixam, preferindo abandonar o emprego. “As vítimas contam que as esposas do patrão as acusam de sedução”, afirma. “Há uma tendência de as pessoas nunca recorrerem à justiça, quer por ser morosa, quer por não acreditarem nelas”.

Sem escolher idades ou níveis hierárquicos, recentemente, a organização registou o caso de uma senhora, quase na terceira idade, que era assediada por um motorista da empresa de quase 30 anos de idade. “Quando ela se queixou, a maioria das pessoas, até as mulheres, diziam que ela sofria de perturbações”, conta Delma Monteiro. A situação só foi confirmada depois de um dos colegas testemunhar a favor da vítima. “O assédio não tem cargo nem nível. Há também homens que são assediados por funcionárias, muitas vezes, pela forma como se vestem”.

O Comité da Mulher Sindicalizada da UNTA esteve, no início do mês, numa das indústrias de bebidas, na capital, cujo nome Maria Fernanda se recusa a revelar por estar a decorrer um processo e a ser investigada. Em apenas um dia, sete trabalhadoras apresentaram queixa por um alegado assédio do chefe dos recursos humanos. Este está, por enquanto, suspenso.

Maria Fernanda admite que o assédio sexual é “muito difícil” de controlar. “É grave. O assédio no local de trabalho tem consequências na produtividade”, lamenta. Por outro lado, a dirigente sindical aponta a administração pública como “campeã” de casos de assédio moral. “Os gestores públicos assediam moralmente as trabalhadoras quando querem atingir algum fim. Utilizam a prepotência”, afirma.

 

Com punição

Maria Fernanda defende a criminalização do assédio sexual. Não há, no país, um instrumento jurídico que garanta a protecção contra o assédio. A UNTA apresentou, em Setembro do ano passado, um projecto de lei para que estes casos sejam punidos. Sem uma lei, os casos registados têm sido julgados no Tribunal de Luanda, mas com questões ligadas ao respeito e ao pudor.

Mesmo que o assédio não esteja tipificado como crime, no actual Código Penal, Maria Fernanda aconselha a que as mulheres assediadas recorreram e denunciem à UNTA, que tem uma comissão para dar assistência jurídica e psicológica às vítimas.

No próximo mês, a organização pretende realizar uma campanha de sensibilização contra o assédio no trabalho. Sob o lema ‘Unidos contra a violência’, vai estender-se a todas as províncias e prevê-se que decorra durante um ano. A organização pretende ainda, com a campanha, fazer um estudo sobre a incidência dos casos no país.

 

 

Um ano de sofrimento

Durante um ano, Paulina Gonga aguentou os ‘ataques’ do patrão para se manter no emprego. A trabalhar como empregada doméstica num dos condomínios privados de Luanda, a jovem, de 29 anos, quase foi violada. “Ele ficava de cuecas à minha frente e gostava de me passar as mãos nas costas”, lembra. A situação tomava proporções quase perigosas quando a esposa não estivesse em casa. “Ele é funcionário público e chega sempre mais cedo a casa. Enquanto as crianças estavam no quintal, a brincar, ele aproveita para me acariciar, mas sempre tirava as mãos e ia para fora”. As investidas duraram um ano até que Paulina Gonga decidiu contar à patroa. Mas esta, por sua vez, questionou o marido que negou e despediu a empregada. “Ela demitiu-me porque disse que eu tinha intenção de estragar o lar dela”, conta.

 

 

“É prematuro”

Tal como a presidente do Comité da Mulher Sindicalizada da UNTA, o jurista Vicente Pongolola também defende a penalização do assédio no local de trabalho, afirmando que aqui se “espera por pessoas profissionais”. “Existem pessoas que têm poderes sobre as outras e aproveitam-se disso”.

Para o jurista, legislar o assédio é complicado por ser um crime difícil de provar. “Ainda não é altura. Vamos tentar evoluir um pouco mais. Normalmente, as pessoas só vêem o assédio na perspectiva de homem para mulher, mas há casos contrários”, justifica. “Nem tudo deve ser penalizado, é preciso mais educação”. “Há situações em que a sociedade tem de ter mecanismos de autorregular sob pena de legislarmos em demasia e não termos o resultado esperado”, afirma, alertando sobre a necessidade de se ter bastante cuidado em questões de acusações de assédio. “Levar tudo para o plano jurídico traz consequências como a que há no ocidente, onde as pessoas têm medo umas com as outras sob pena de serem indiciadas por assédio sexual”, alerta.

 

 

Outras realidades

No Brasil, a lei define o assédio como “constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Já em Portugal, o artigo 29.º do Código do Trabalho define assédio como “comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. E a lei diz ainda que constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não-verbal ou física.

No âmbito laboral, não é necessário haver diferenças hierárquicas entre assediado e assediante, embora normalmente haja. A Organização Internacional do Trabalho define assédio sexual como actos, insinuações, contactos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir:

a) Ser uma condição clara para manter o emprego;

b) Influir nas promoções da carreira do assediado;

c) Prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima;

d) Oferta de crescimento de vários tipos ou oferta que desfavorece as vítimas em meios acadêmicos e trabalhistas entre outros, e que no acto possa dar algo em troca, como possibilitar a intimidade para ser favorecido no trabalho;

e) Ameaçar e fazer com que as vítimas cedam por medo de denunciar o abuso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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