Termina discussão com 14 anos

Código penal vai ser aprovado na Assembleia

O novo Código Penal agrava penas, com a intenção de baixar o índice de criminalidade. Os partidos são unânimes com a aprovação do documento. A Constituição não permite a pena de morte, por isso juristas alertam que a criminalidade não se resolve com moldura penal.

Código penal vai ser aprovado na Assembleia
Mário Mujetes
Aprovação do Código Penal

Adalberto Costa Júniorpresidente da bancada parlamentar da Unita

Finalmente Angola pode orgulhar-se de ter um Código moderno que se adequa a realidade do país.

Depois de quase 14 anos de discussão e de vários adiamentos, Angola pode ter um novo Código Penal, que vai substituir o que vigora desde 1886. E previa uma moldura penal máxima de até 24 anos e mínima de três dias a três meses, contra os 35 que constam do novo Código Penal, que vai à votação global e final no próximo dia 23. 

O aborto, a condução sob efeito de álcool ou substâncias psicotrópicas, o mau uso das redes sociais, as burlas informáticas e o uso indevido de dados passam a ser criminalizados, estando ainda previstos os crimes contra as pessoas, família, fé pública e segurança colectiva.

O presidente da bancada parlamentar do MPLA, Américo Kwononoka, assegurou ao NG que a proposta está concluída, estando em elaboração o relatório parecer de fundamentação que aprova o novo Código Penal, não havendo por isso, segundo o seu partido, “motivos para mais observações”.

Américo Kwononoka destaca que a Proposta de Lei “tem mais valências e respeita a identidade nacional”, eliminando “os muitos pressupostos de carácter colonial que não se coadunavam com a cultura nacional”. “Vamos ter uma lei nacional que respeita a identidade nacional e alguns pressupostos relativos à nossa cultura e idiossincrasia”, sublinha o deputado, que considera também “necessário colocar balizas sobre a proliferação de confissões religiosas”. 

O líder da bancada parlamentar da Unita lembra que a discussão do documento levou mais de 14 anos, mas “finalmente Angola pode orgulhar-se de ter um código moderno e que se adequa à realidade do país”. “Tivemos muitas contribuições, apesar de haver ainda algumas igrejas que não concordam com a criminalização do aborto. A questão da corrupção devia merecer uma moldura penal mais dura”, defende Adalberto Costa Júnior, reconhecendo que “não é fácil obter consensos”.  A Unita vai aprovar o documento, destacando que deu o seu contributo.

O jurista e docente universitário da Universidade Católica de Angola Bangula Quemba elogia o novo código como estando em “conformidade com o direito penal moderno” e que “busca a integração e socialização do agente”. “À luz da Proposta de Lei, em caso algum, nomeadamente por efeito de reincidência, de concurso de crimes ou de prorrogação da pena, pode exceder os 30 anos”, esclarece Quemba, para quem a criminalização do aborto se ajusta à realidade do país, mas preserva as questões terapêuticas, em que a vida da mãe ou do feto estejam em perigo, desde que não exceda os seis meses de gravidez.

O jurista Vicente Pongolola esclarece que, à luz da Constituição, não pode haver no ordenamento jurídico nacional a pena de morte, mesmo para quem tenha cometido um crime de sangue. Pongolola lembra ainda que a moldura penal depende das políticas adoptadas para cada Estado, sendo certo que, segundo ele, a penalização não resolve o problema da criminalidade, porque esta se relaciona com vários factores.

O presidente da Associação Mãos Livres, Salvador Freire dos Santos, entende que “a moldura penal não resolve a criminalidade”, contrapondo que ela “resulta das assimetrias, extrema pobreza em que a maioria esmagadora das famílias angolanas está voltada ao abandono”. “O facto de haver até adolescentes envolvidos na criminalidade, resulta do que recebem da sociedade”, reforça, realçando que a alteração da pena mínima de três dias para três meses “é a principal preocupação, porque banaliza a privação das liberdades”.

Salvador Freire dos Santos pretende ver salvaguardadas as liberdades individuais, por isso, antevê que a aprovação do novo Código Penal “vá superlotar as cadeias”, sobretudo porque “não há condições de se inserirem os presos no processo de reeducação”.

O analista político e social Sérgio Calundungo mostra-se contrário a uma lei que priorize a pena de morte. Lembra que a Constituição preserva o bem vida e aponta países, como os Estados Unidos da América, que adoptaram a pena de morte em alguns Estados, mas mantêm um índice de criminalidade elevado.

“O aumento da moldura penal devia ser apenas para os crimes hediondos, o resto devia ter penas correccionais”, aconselha, considerando que o aumento da criminalidade resulta da crise social “não sendo normal que crianças de 13 e 14 anos estejam envolvidas na delinquência”.

 

“Contra os direitos humanos”

A Amnistia Internacional alerta para a necessidade de se reverem alguns artigos da proposta do novo Código Penal por considerar incompatíveis com as disposições e com algumas obrigações em matéria de direitos humanos. A organização aponta, como exemplos os artigos relacionados com a injúria e a difamação, com a instigação pública ao crime e apologia pública do crime, bem como os artigos ligados ao terrorismo.

Para aquele organismo, constituem especial atenção os artigos sobre a falsificação constitutiva de traição, o relacionado com a instigação à guerra ou à represália, o que trata da colaboração com o estrangeiro para prejudicar o Estado, bem como a ofensa à honra de órgãos ou representantes de Estados estrangeiros ou de organizações internacionais, e o ultraje a símbolos nacionais ou de Estados estrangeiros ou de organizações internacionais.

 

Principais medidas no novo Código Penal

- Penas mínimas passam a ser de três meses

- Pena máxima é de 25 anos, podendo atingir os 35 anos, nos casos de vários crimes, sobretudo envolvendo mortes.

- Crimes informáticos passam a ter responsabilização criminal

- Idade penal fixada em 16 anos

- Condução sob efeitos de álcool ou substâncias psicotrópicas pode resultar em cinco anos de prisão

- Mau uso das redes sociais passa a ser crime

- Burlas informáticas e uso indevido de dados passam a ser criminalizados.

 

 

 

 

 

 

 

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