Sem fundos, as cirurgias para O tratamento de hidrocefalia estão paradas

Centro paralisado deixa morrer 12 crianças

Por incapacidade financeira, o único centro no país especializado para cirurgias de tratamento a hidrocefalias está paralisado há mais de dois meses. A administração pediu ajuda ao Ministério da Saúde, mas tarda a chegar. Enquanto esperam, pelo menos, 12 crianças já morreram e outras cerca de 90 estão na lista de espera para a cirurgia. O centro também já enviou pedidos de socorro à Assembleia Nacional.

Centro paralisado deixa morrer 12 crianças
Mário Mujetes
O centro regista, anualmente, 10 mil novos casos.
José de Sousa

José de SousaAdministrador do CNTH

Dados do centro mostram que são registados anualmente 10 mil novos casos. Com o centro, o Estado pouparia 20 milhões de dólares via Junta Nacional de Saúde. Mais de cinco mil crianças foram operadas nos últimos 15 anos.

O impasse entre o Ministério da Saúde (Minsa) e o Centro Neurocirúrgico de Tratamento da Hidrocefalia (CNTH) teima em continuar. O CNTH suspendeu, a 20 Abril, as cirurgias a hidrocefalias, vulgo ‘cabeças de água’, por incapacidade financeira. Sem ajuda do Minsa, ‘chora’ para fazer parte da lista dos centros cotados no Orçamento Geral do Estado (OGE). O Minsa já respondeu que não é possível, por não ser um centro construído pelo Estado, no entanto, prometeu, há um mês, ajudar com equipamentos, medicamentos e pessoal médico. Mas só se ficou pelas promessas, que o responsável do centro, Mayanda Inocente, não acredita que se cumpram. “É uma curva para passar o pano”, afirma.

Enquanto isso, aumenta o número de crianças maioritariamente com idades inferiores a cinco anos com necessidade urgente de cirurgia. Algumas não resistem à espera e morrem. Entre 20 de Abril e 1 de Junho, foram contabilizadas, pelo menos, 12 mortes. Números que se acredita que possam ser maiores, tendo em conta o estado em que muitas se encontravam. Eram cerca de 90. Outras continuam à espera da cirurgia. A lista não pára de crescer. Todas as semanas, há novos integrantes.

A pretensão do centro era fazer uma mega campanha de cirurgias gratuitas para celebrar o 1 de Junho, Dia Internacional da Criança. 

A paralisação é justificada como protesto para chamar atenção ao Estado que “olhe para o centro com mais seriedade e que se deixe de viver de caridade e doações”. Os responsáveis do CNTH defendem a gratuitidade das cirurgias. Grande parte dos doentes é de origem de famílias carenciadas. Para cada cirurgia, são cobrados 150 mil kwanzas, um valor apenas para a comparticipação e que não cobre, sequer, um terço do valor da cirurgia avaliada em quase 10 mil dólares, incluindo os equipamentos e os médicos. “Os custos da cirurgia são elevados. As famílias não conseguem pagar. Precisamos de reduzir isto à gratuitidade. Mas, para tal, o Minsa tem de se envolver no processo”, defende José de Sousa, administrador do CNTH.

Centro paralisado deixa morrer 12 crianças

(O centro sobrevive de doações de organizações estrangeiras, da Alemanha e dos Estados Unidos.)

Inaugurado em 2015, no Kifica, em Luanda, o centro regista, semanalmente, cerca de 10 novos casos. Por mais grave que seja o estado do doente, as operações não são feitas com urgência devido à falta de pessoal médico. “Não temos funcionários permanentes. Trabalhamos em sistema de micro-campanhas aos fins-de-semana”, lamenta José de Sousa, ao enumerar um dos ‘mares’ de problemas que o centro enfrenta, desde equipamentos ao combustível, passando pela falta de ambulância. 

Em caso de urgência, os doentes são transportados em carros pessoais dos médicos, familiares ou até mesmo alugados. Até têm um convénio com o Instituto Nacional de Emergência Médica (Inema), mas nem sempre resulta por causa dos atrasos ou da falta de disponibilidade de viaturas, entre outros factores. “Temos uma série de programas. A esperança é que o Estado apoie para que o projecto tenha sustentabilidade”, reforça o responsável.

Sem a ajuda do Governo, o centro sobrevive de doações de organizações estrangeiras, da Alemanha e dos Estados Unidos, que disponibilizam válvulas. Mas há dois meses que os parceiros não enviam nada.

Não é a primeira vez que o centro suspende as cirurgias. No início do ano passado, a paragem foi de mais de quatro meses. Na altura, o antigo secretário de Estado para a Área Hospitalar, Altino Matias, até visitou o centro e prometeu dias melhores. Mas nunca cumpriu.

O OGE para 2019 contemplou mais de 416 milhões de kwanzas para o diagnóstico e tratamento da hidrocefalia. De acordo com Mayanda Inocente, o valor foi proposto pelo CNTH. “É um orçamento trabalhado por nós. Só que agora a ministra diz que o dinheiro é para os hospitais e não para o centro”, explica, sem entender os motivos que levaram à mudança de planos.

O ‘grito de socorro’ foi levado à Assembleia Nacional, de onde, segundo Mayanda Inocente, se espera que haja um milagre para a solução dos problemas e que se concretize o desejo que as cirurgias sejam grátis. Caso contrário, os familiares que não tiverem disponíveis 150 mil kwanzas continuarão a ver os filhos morrerem, sem a possibilidade de uma cirurgia.

O NG contactou o Minsa, mas sem sucesso.

COM ALTAS TAXAS

Dados do centro mostram que são registados anualmente 10 mil novos casos. Com o centro, o Estado pouparia 20 milhões de dólares via Junta Nacional de Saúde. Mais de cinco mil crianças foram operadas nos últimos 15 anos.

Em 2017, foram 287 crianças. O centro tem uma taxa de mortalidade de 25 por cento. Ou seja, por cada 100 intervenções cirúrgicas, 25 resultam em morte, 50 deixam sequelas e apenas 25 ficam boas.

No mundo, estima-se que, anualmente, pelo menos, 150 mil pessoas padeçam da doença, que atinge principalmente as famílias ou comunidades em condições socioeconómicos deficientes.

FAMÍLIAS DESESPERADAS

Centro paralisado deixa morrer 12 crianças

(Por cada 100 cirurgias, 25 resultam em morte, 50 deixam sequelas e apenas 25 ficam boas)

Com a suspensão das cirurgias, familiares dos doentes vivem com medo que o pior aconteça. Com o intuito de adiar a dor de perder uma criança, vários pais uniram-se e foram pedir soluções ao Minsa. Um deles, José Manuel, depois de vários vaivéns pelo Ministério, viu uma luz no fundo do túnel. O Ministério pediu uma lista com a promessa de que estas crianças seriam enviadas para algumas unidades sanitárias da capital para tratamento. Uma promessa que, afirmam, não está a ser cumprida como se esperava. José Manuel, desempregado, não vê maneira viável de adquirir a medicação para o filho de 10 anos. “Mandaram-me ir para o hospital Maria Pia. Lá, só fizeram o raio X e receitaram medicamentos”, explica o pai, que pensou que, por orientação do próprio Ministério, teria o atendimento e mais os medicamentos. “Já andei pelas farmácias, não encontrei. E, mesmo assim, não tenho dinheiro”, lamenta.

Actualmente vive numa casa de chapa com a esposa e outros filhos, tudo porque vendeu a casa para custear o tratamento. José Manuel, receoso, teme que o pior aconteça com o filho. “Está muito debilitado e com vómitos”. Sem recursos para a aquisição dos medicamentos, ontem, quinta-feira (4), voltou ao Minsa, mas foi orientado a escrever uma carta para que fosse recebido pela ministra.

Depois de meses de espera, Joana Dembeleque conseguiu que a filha, de sete anos, fosse operada no Hospital ‘Américo Boavida’. Mas lamenta que outros pais, tal como ela, vivam na aflição de ver os filhos piorarem por falta de tratamento. Por isso, clama por uma intervenção urgente do ministério para se travar o número de mortes e se encontrar uma solução.

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