Só as festas do MPLA disfarçaram as dificuldades

Waku-Kungo sente-se abandonado

A reparação das estradas nunca mais acaba com repetidos orçamentos ‘astronómicos’. Há uma gritante falta de energia eléctrica, quando a fazenda do ‘chefe’ tem acesso a esse bem público de forma ininterrupta. Há água potável nas torneiras e cacimbas, mas acastanhada por falta de chafarizes, eis o leque de makas que o NG encontrou na viagem ao Waku-Kungo, no Kwanza-Sul.

Waku-Kungo sente-se abandonado
Mário Mujetes
Waco-Kungo

As obras no troço rodoviário entre Maria Teresa e o Dondo, no Kwanza-Norte, a cargo da construtora chinesa CTCE, estão atrasadas. Há cerca de cinco anos que o Governo luta para melhorar a circulação de veículos nessa estrada, mas sem sucesso.

Depois de reabilitada, essa curta, mas imprescindível linha da Estrada Nacional nº 120, que liga Luanda às províncias do centro-sul do país, sofreu mais três intervenções que também não deram certo. Cálculos com base em dados disponíveis indicam que o troço rodoviário de 68 quilómetros já ‘torrou’ acima de 60 milhões de dólares.

Francisco Chiquete, 57 anos, companheiro de viagem do NG ao Waku-Kungo, no Kwanza-Sul, apela “aos mais velhos para ‘desamarrarem’ a área” por considerar que, “se os mais velhos podem ‘amarrar’ a chuva, pode haver ‘feitiço’ que esteja a travar a reparação da estrada”. Se há ‘forças ocultas’ ou não, a verdade é que a CTCE está a trabalhar a ‘passo de caracol’.

Mesmo assim, a esperança continua depositada na CTCE, que se gaba de “construir obra de boa qualidade”, conforme espelham as letras garrafais estampadas na vedação do estaleiro da empreiteira, no mato, a meio do percurso.

De Luanda ao Waku-Kungo, são 420 quilómetros. Quem decide fazer esse percurso, além do problemático troço Maria Teresa - Dondo, onde as viaturas chegam a ‘queimar’ entre duas a três horas e meia, por causa dos buracos, tem de enfrentar também dois desvios terraplanados abertos pela CRBC, outra construtora chinesa que trabalha entre Quibala e Waku-Kungo. “Aqui, em cerca de três meses, os chineses deram boa lição de construção de estrada”, destaca Isaías Luciano, actual administrador da Quibala, que já exerceu o mesmo cargo no município vizinho do Waku-Kungo.

Satisfeito com a ‘velocidade’ dos ‘irmãos de olhos rasgados’, Isaías Luciano aguarda que não seja um trabalho “paliativo”, ou seja, “uma estrada descartável”. O engenheiro civil Carlinho Quissassa, natural da Quibala, ‘atira-se’ à fiscalização de obras por ser “muito permissiva, quando, por regra, em função do nosso clima, a camada de asfalto devia ser de 15 a 20 centímetros”. Quissassa lamenta ainda o facto de o Laboratório Nacional de Engenharia “nunca merecer consulta” por altura da concepção e execução de obras.

ABANDALHADOS

No Waku-Kungo, sede da Cela, os habitantes sentem-se “abandalhados pelo Governo”. As ruas não são reparadas desde a época colonial. Por altura do acto central, alusivo aos 62 anos da fundação do MPLA, a administração deu um arranjo apressado à via de acesso ao palco do acto político com máquinas de terraplanagem.  No resto da vila, tudo se manteve: buracos , charcos e capim.

Há muitas casas velhas e abandonadas porque os proprietários se recusam a voltar ao ‘Waku’ por falta de infra-estruturas como energia eléctrica. “Os cabos que transportam energia das barragens de Cambambe e Laúca passam por ‘cima das nossas cabeças’, mas dela não beneficiamos”, reclama Francisco Chitende, que nasceu e vive no ‘Waku’ há 54 anos. A vila é alimentada por um grupo gerador que funciona quando há combustível apenas das 18 às cinco da manhã. “É um paradoxo porque na fazenda do Presidente da República na comuna de Ndala Caxibo (Quibala) há energia da barragem e água potável”, acusa Chitende.

A água potável é outra maka na Cela e arredores. Das poucas torneiras ainda em funcionamento, jorra água castanha, a mesma cor do líquido retirado dos poços construídos pela população nos bairros, por falta de chafarizes melhorados. “Como é que as pessoas vivem nessas condições tão deploráveis?”, pergunta Mário Mujetes, repórter fotográfico do NG, a um grupo de jovens que, para ‘fintar’ as agruras da vida, estava a consumir em ‘quantidades industriais’ cerveja, no botequim ‘Ramalhete’, contíguo ao jardim municipal, onde um jovem dava aulas de kizomba.  “Sabe Deus porque não morremos em massa”, respondem os rapazes e raparigas que entram e saem do botequim sempre com as mãos ocupadas.

Os jovens justificam o elevado consumo de álcool com a falta de ocupação. “Terminado o ensino médio, não encontro oportunidade de inserção laboral nem continuar os estudos. Não sou o único exemplo. São ‘n’ casos”, esclarece Manuel Francisco, de 23 anos. Depois do pré-universitário, desenrasca-se como mototaxista. Pelo menos, comprou uma motorizada de ‘segunda mão’ com a ajuda de amigos. “Agora sou ‘kupapata’”, afirma com humor.

Com a ‘Operação Resgate’, muitos dos pequenos negócios fecharam e, com isso, também reduziram as poucas oportunidades de emprego. “A espectativa da maioria dos jovens é trabalhar no projecto agro-pecuário Aldeia Nova”, mas este “está limitado por várias razões conjunturais”, acrescenta MF, como gosta de ser chamado, ao mesmo tempo que defende a “abertura de corredores de oportunidades”. “O Governo deve criar políticas para estimular o surgimento de mais investimentos do tipo Aldeia Nova, que criam muitos empregos directos e indirectos”, conclui.

André Kassumuna, 50 anos, acha que, se o município que o viu nascer e crescer “resistiu e ganhou fama mundial, graças ao ‘Aldeia Nova’”. Motorista de pesados, também quer “mais iniciativas do género”, para “sacudir a letargia” da Cela e “reduzir a pobreza generalizada que está na origem do aumento da criminalidade e da prostituição”.

Como uma desgraça nunca vem só, a somar ao leque de dificuldades, estão os serviços de telecomunicações sobretudo de utentes da Movicel. Nestes dias, tanto no Waku-Kungo como na Quibala, os utentes de telemóveis não conseguem falar. “Os aparelhos estão de ‘férias´ e o mais grave é não sabermos quando o sinal será normalizado”, reclama Lúcia, que não consegue concluir o ensino secundário “por dificuldades financeiras”.

MUITA ‘BEBEDEIRA’ COM PREÇOS A ´DOER´

Uma das saídas para desenvolver os municípios, além de uma séria aposta na agricultura e na pecuária, passa pelo turismo. Porém, esta existe apenas no discurso dos políticos e governantes. Apesar das potencialidades que a natureza oferece, na prática “não há nada expressivo”, porque os preços são invariavelmente insuportáveis.  

No Waku-Kungo, os bens e serviços chegam a ser mais caros que os de Luanda. A hospedagem no hotel Emirais custa entre 25 e 35 mil kwanzas. No Ritz, varia entre 10 e 35 mil, mas a oferta é reduzida. Aliás, a lotação esgotou por altura da ‘invasão’ de militantes do MPLA para assistir ao comício da ‘vice’, Luísa Damião. Na mesma altura, aproveitaram ‘facturar’ os poucos aldeamentos turísticos, como Lupupa Lodge, ou botequins, como Apollo 12. Neste último, numa sala sem ar condicionado, uma cerveja em garrafa custa 200 kwanzas, em lata de 300 a 350 kwanzas em função da  marca e uma garrafa de vinho tinto estava a ser ‘despachada’ por seis mil kwanzas. Também “exagerado” é o preço da água Keve, produzida no Kwanza-Sul: 200 kwanzas a garrafa pequena e 400 a grande.

Os comerciantes justificam a subida dos preços com a “distância dos pontos de aquisição”, sobretudo na capital e da estrada que está a “rebentar com os carros”. Os consumidores não caem nessa desculpa e afirmam que “o comércio há muito está descontrolado” porque a “administração municipal não funciona nem consegue estimular o surgimento de uma cantina para vender óleo de palma”, critica ‘Papusseco’, 42 anos, que, antes de voltar à terra natal, foi motorista de um dos mais ‘agressivos’ semanários, extinto em 2015.

O aumento em ´flecha´ dos preços não demove os visitantes na sua maioria jovens e mulheres. É caso para dizer que, mesmo com os preços a ‘doer’, houve farra com muita ´bebedeira´.

 

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