Rede Terra denuncia irregularidades na ocupação de terrenos

Conflitos na luta pela terra

Lagoas, rios, cursos de rios, terras de pastos, lavras e até cemitérios privatizados são disputados de forma violenta. A Rede Terra garante que há ocupações ilegais em que aparecem envolvidos empresários e políticos. O Governo promete uma nova lei, para breve, para estar mais de acordo com a Constituição.

Conflitos na luta pela terra
Manuel Tomás
os preços de acesso à terra não tenha sido aprovada e que se
Domingos Fingo,

Domingos Fingo, director Executivo da associação Construindo Comunidades

O responsável destaca que a seca é uma das “ grandes dificuldades” que as comunidades pastoris na província da Huíla enfrentam.

Lagoas, rios, cursos de rios, terras de pastos, lavras e cemitérios privatizados estão na origem de muitos conflitos, denunciados pela Rede Terra. Nos centros das polémicas e disputas, cabem empresários, políticos e particulares que ocupam vastas terras em proveito próprio, mesmo com pessoas a residirem nelas ou a cultivarem para subsistência. Uns chegam a ocupar terrenos que ultrapassam a superfície total dos municípios, como aconteceu, recentemente, na Huíla.

As províncias que mais registam estes casos são o Cunene, Kwanza-sul, Namibe, Huíla e Bengo.  A Rede Terra, que alberga Organizações Não-Governamentais (ONG) que trabalham na defesa e promoção do direito à terra, destaca que as ocupações “cresceram”, nos últimos anos. “Os critérios de acesso não são transparentes, atentam contra o ambiente, a qualidade de vida e a organização dos espaços rurais e urbanos”, lê-se num manifesto elaborado pela organização, a que o NG teve acesso.

A organização lamenta que a lei que define os preços de acesso à terra não tenha sido aprovada e que se mantenha a de 2007. Para a Rede, isso favorece a “corrupção e a especulação dos preços, em que a população mais pobre é exposta a desigualdades e em áreas de risco”.

Algumas lagoas, rios, cursos de rios são “desviados ou vedados, impedindo a população de ter acesso à água, caminhos tradicionais ou para atravessar em outras margens. “As famílias nestes espaços perderam a propriedade sobre o seu património natural e cultural, as suas liberdades de decidir”, lamenta Bernardo Castro, líder da Rede.

A representante da organização ‘Cooperação para o Desenvolvimento para os Países Emergentes’ (Cospe), Miriam Baquim, considera que as comunidades rurais se encontram numa situação de “insegurança” por falta de títulos de posse. O manifesto, elaborado pelos membros, vai ser entregue nos próximos dias ao Governo, através da comissão interministerial para a titulação das terras, com o objectivo que seja uma revisão das políticas de concessão de terras aos camponeses e comunidades rurais.

Bernardo Castro considera existirem diversos constrangimentos no acesso às terras, em que o Governo tem dado um tratamento “periférico” às questões fundiárias. “Não tem prestado a devida atenção”, critica o líder associativo. “Desde 2004 que foi aprovada a Lei de Terras e um regulamento complementar em 2007, as terras rurais comunitárias não foram legalizadas, estão desprotegidas, qualquer pessoa ocupava e vedava os espaços, mesmo com residentes dentro das superfícies”, revela Bernardo Castro, dando como exemplos situações que têm ocorrido no Kwanza-Sul, Benguela, Cunene, Huíla, Namibe e Bengo.

As terras têm proporcionado o surgimento de muitos conflitos que “desembocam em mortes” e muitas denúncias dos camponeses que têm chegado à Rede. Estas queixas são encaminhadas para os órgãos competentes, mas “não deram em nada”, regista Bernardo Castro, mas “os queixosos foram silenciados. “Isso faz com que o sentimento de insegurança das comunidades cresça cada vez mais.”

À Rede ainda chegam denúncias de que há sobas a venderem as terras das comunidades, em “proveito próprio com interesses inconfessos, corrompidos por empresários, políticos, contribuindo para a destruição do património histórico-cultural das comunidades, incluindo cemitérios”

O director da Rede Terra teme que Angola se venha a transformar num Estado de latifúndio como acontece no Brasil, mesmo reconhecendo que existem, no país, “pessoas com vastas áreas de terras, ocupadas de formal ilegal, sem registo. Por isso é preciso que se regulamente o acesso a essas terras. Há angolanos que, em alguns casos, ocuparam espaços superiores à extensão do município”, repete a acusação.

 

Segura, mas “sem combater conflitos”

O director nacional da Gestão Fundiária do Ministério do Ordenamento do Território e Habitação, Manuel de Carvalho, lembra que o título de Direito Consuetudinário só garante a segurança, “mas não combate os conflitos de terras”. O responsável salienta que as associações de camponeses e cooperativas poderão receber estes títulos de “forma grátis, os que não estão em nenhuma organização poderão ficar de fora deste processo”.

Os documentos serão dados com base aos planos de desenvolvimento rural, que poderão definir lotes para a agricultura, habitação, construção de infra-estruturas sociais, como escolas, hospitais, esquadras policiais e postos de bombeiros.

Os planos serão aprovados em três níveis. Primeiro, nos municípios, depois nas províncias e destas para o Conselho de Ministros para a aprovação final. “Com estes planos, o Governo pretende acabar com os conflitos de terras”, garante Manuel de Carvalho.

O responsável reconhece que há muitos camponeses que trabalham de forma “desprotegida” por falta de documentos das terras que cultivam, o que “facilita a invasão por parte de fazendeiros, que vedam e legalizam essas terras, como os técnicos não se deslocam ao terreno apenas passam documentos, mesmo com pessoas a produzir nas mesmas terras, situação que poderemos ver ultrapassada proximamente”, prometeu

A Lei das Terras, 15 anos depois de ter sido aprovada, encontra-se em fase de revisão e actualização e poderá ser aprovada uma nova Lei com base na actual Constituição da República.

 

‘Terra dos milagres’ sem lei

O director executivo da Associação Construindo Comunidades (ACC), com sede na Huíla, Domingos Francisco Fingo, destaca a seca como “a grande dificuldade que as comunidades pastoris na província enfrentam”. A organização solicitou ao governo provincial a legalização de um terreno de 17 quilómetros, localizado no vale do Tchimbolelo. No tempo seco, este terreno contém água suficiente e uma vegetação “apropriada para alimentar o gado”, pelo que ganhou o nome de ‘terra dos milagres’, servindo como zona de pasto dos gados provenientes da Chibia, Gambos, Huíla, Virei, Namibe, Curoca e Cahama, já no Cunene. As reservas de água e de capim sustentam os animais. “Queremos que o governo proteja o mesmo espaço por ser importante para sustentabilidade das comunidades devido à transumância”, afirma Domingos Fingo.

Desde 2011 que a organização tem tentado, junto do governo provincial da Huila, a produção de um documento, considerando a superfície como zona de transumância protegida, para evitar a “invasão” por parte dos fazendeiros comerciais, “mas infelizmente não existe interesse por parte do governo em proteger esse espaço”, lamenta Domingos Fingo.

 

 

 

 

 

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