Angola tem mais de 16 mil emigrados e requerentes a asilo

Sem aplicação da lei, refugiados sem documentos

Aprovada desde 2015, Angola ainda não implementou a lei sobre os refugiados. Por isso, cerca de 60 por cento destes no país está sem documentos. O país tem mais de 16 mil refugiados e cerca de 30 mil requerentes de asilo.

Lúcia  de Almeida Lúcia de Almeida | Lúcia de Almeida
Sem aplicação da lei, refugiados sem documentos

A falta de regulamentação da lei dos refugiados, desde 2015, está a levar com que 60 por cento dos emigrados estejam sem documentos. De acordo com a lei, caberia ao Conselho Nacional dos Refugiados (CNR) tratar de situações relativas à documentação e requisição de asilo. “A ausência do CNR faz com que a maioria dos requerentes de asilo, particularmente aqueles refugiados que já tinham os documentos legalizados com a antiga lei, se veja privada da renovação dos documentos por falta de um organismo que os possa renovar”, lamenta o director nacional do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), Mona Panda.

O chefe de Departamento para os Refugiados do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), Simão Ngola, reconhece que a situação tem estado a criar “transtornos e embaraços”.

Com a extinção do COREDA (Comité de Reconhecimento do Direito de Asilo), em 2015, houve necessidade de reformular a legislação. A actual lei prevê a criação do CNR e do Centro de Acolhimento de Requerente de Asilo e Refugiados (CARRA).

Angola tem cerca de 30 mil requerentes de asilo e mais de 16 mil refugiados, na sua maioria, oriundos da República Democrática do Congo, Guiné-Conacri, Ruanda e Serra Leoa.

Simão Ngola acredita que, com a criação do CARRA, o SME vai ter maior controlo dos refugiados e não só, e que “irão encontrar locais com condições dignas para a sobrevivência e inserção na sociedade”.

A construção dos centros está suspensa por falta de condições financeiras. A ideia é estarem representados em todas as províncias, com incidência para Luanda e Lunda-Norte, por concentrarem o maior número de requerentes.

A partir de Dezembro ou em Janeiro, em parceria com o Governo e algumas organizações não-governamentais, a representação da ACNUR em Angola poderá fazer o registo de refugiados e requerentes de asilo no país.

Philippa Candler, representante da organização, defende a necessidade “urgente” da aplicação da lei para que se respeitem os direitos dos refugiados. “A documentação é muito importante porque podem ficar detidos e não têm acesso a outros direitos como educação e trabalho”.

 Regulamentos aprovados

Em Julho, o Conselho de Ministros aprovou dois projectos para regular o Conselho Nacional dos Refugiados e o Centro de Acolhimento de Refugiados e Requerentes de Asilo em Angola.

Em declarações à Angop, o director do Serviço de Migração e Estrangeiros, Gil Famoso, garantia que apenas faltavam esses dois regulamentos para uma maior operacionalização dos dois centros. “O regulamento do CARRA decorre também de obrigações internacionais em que o Estado angolano está comprometido, nomeadamente com a Convenção de Genebra, o Protocolo de Nova Iorque, o Estatuto de Refugiados e a Convenção da OUA de 1969 sobre as Condições Especificas dos Refugiados em África”, acrescentou.

O responsável do SME garante estar em curso a implementação de um novo cartão para os refugiados. “O anterior, por conta de algumas questões de segurança, já não estava em condições. Era passível de vulnerabilidade”, explica referindo que o novo cartão foi submetido à Organização das Nações Unidas para os Refugiados para aprovação.

O Conselho Nacional do Refugiado é um órgão de consulta do qual fazem parte várias instituições do Executivo. O centro de acolhimento para refugiados e requerentes de asilo visa garantir às autoridades angolanas um maior controlo sobre a situação e impossibilitar a liberdade de movimentação dos requerentes de asilo.

Angola aderiu à Convenção de Genebra de 1951 e ao Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto do refugiado, bem como a convenção organizada da unidade africana em 1969. A adesão implica o cumprimento das obrigações contraídas com a comunidade internacional. Razão pela qual a Constituição da República garante a todo o estrangeiro e expatriado o direito de asilo.

 Quase 69 milhões de deslocados em 2017

No ano passado, as guerras, a violência e perseguições levaram a que o número de refugiados atingisse um novo recorde: mais de 68,5 milhões. De acordo com o relatório anual da ACNUR, divulgado em Junho, pelo 5.º ano consecutivo, o número de pessoas que tiveram de deixar os lares chegou a um patamar inédito. Mais de metade desse número são crianças, muitas delas desacompanhadas. No documento intitulado ‘Global Trends - Forced Displacement in 2017’ (Tendências Globais - Deslocamento Forçado em 2017), a organização mostra que dos 68,5 milhões de pessoas fazem parte 16,2 milhões de novos deslocados no ano em análise, representando uma média de 44 mil pessoas deslocadas por dia. As crises contínuas em países como o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo, assim como o êxodo dos muçulmanos rohingya de Myanmar (antiga Birmânia), explicam o aumento do número total de deslocamentos forçados registados no ano passado.

 

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