Nos 102 Anos da morte de um resistente à colonização

Rei Mandume com imagem retocada

Os historiadores aproveitam a data de comemoração dos 102 anos, da morte do rei Mandume ya Ndemofayo, que se assinalou a 6 de Fevereiro, para apresentar a verdadeira imagem do soberano. Longe da figura imponente que se conhece, Mandume era afinal mais baixo e mais magro. Mas é uma das maiores figuras de Angola, na luta pela resistência contra o colonialismo.

Rei Mandume com imagem retocada
Verdadeira imagem do Rei Mandume Ya Ndemofayo com o seu exér
Tiago Caungo

Tiago Caungohistoriador e docente universitário

A história de Angola está repleta de inúmeras personagens que se notabilizaram pelos feitos durante a luta de resistência contra a ocupação portuguesa e que são mencionadas de forma pouco honrosa

Os historiadores Tiago Caungo e João Lourenço apresentaram  uma outra versão da história do rei Mandume ya Ndemofayo enquanto símbolo de resistência, do século XX e alguns dos seus feitos como líder, durante uma palestra, na semana passada, em Luanda, que serviu para comemorar os 102 anos da sua morte, em 1917.

De acordo com o historiador Tiago Caungo, Mandume teve fortes laços com outros soberanos angolanos, de modo a obter ajuda e resistir aos invasores europeus (portugueses, alemães e ingleses) e herdou o poder do tio Nhade, tornando-se num ‘ohamba’ (o primeiro poder soberano nas aldeias dos kwanyamas). Enquanto guerreiro, Mandume fundou a liga Ovambo que pretendia expulsar os colonos, embora tivesse perdido a batalha. De acordo com os arquivos conhecidos, deixou várias lições de patriotismo dirigidas às tropas.

Tiago Caungo salientou que “a história de Angola está repleta de inúmeras personagens” que se notabilizaram pelos feitos durante a luta de resistência contra a ocupação portuguesa e que são “mencionadas de forma pouco honrosa pela historiografia” e que uma dessas personagens é Mandume ya Ndemufayo’.

 

Resistência dos ministérios

De acordo com João Lourenço, historiador e director da Biblioteca Nacional e quadro do Ministério da Cultura, já foram organizados alguns seminários que trouxeram as imagens reais de alguns heróis nacionais e mostraram a preocupação em divulgá-las, como do Rei Mandume e Njinga Mbande, mas confessa que “encontra alguma resistência”, em trocar o conteúdo dos manuais escolares. “Há por parte da sociedade uma certa resistência, a história é ciência e ela constrói-se com factos. Quando o Ministério da Cultura propôs usar os símbolos dos reinos do Ndongo, diziam que não podia ser, porque já estavam acostumados com as imagens antigas. O Ministério da Cultura tem feito o seu trabalho, mas se a universidade Mandume Ya Ndemofayo não quer mudar a documentação, não podemos obrigar”, lamenta o historiador.

Até ao momento, em Angola, apenas o Arquivo Histórico Nacional tem documentos, sobre a figura do rei kwanyama Mandume ya Ndemofayo, mas sem tradução em português, pois os documentos foram trazidos da Namíbia. As bibliotecas não apresentam nenhum arquivo relacionado com os feitos de Mandume.

 

Falsa imagem de Mandume

Rei Mandume com imagem retocada

Durante mais de 40 anos, Angola conheceu uma falsa imagem do rei Mandume em que aparece fisicamente avantajado, musculoso, e de tronco nu. No entanto, depois de vários estudos e pesquisas de historiadores e investigadores nacionais, concluiu-se que a real imagem do soberano Mandume nada tem que ver com aquela a que nos habituámos a ver. Naquela que era a sua imagem verdadeira, aparece trajado à maneira europeia, cavalgando com o seu exército, mas de uma estrutura física menos robusta.

Esta imagem, hoje considerada verdadeira, esteve colocada nos arquivos da Namíbia. No entanto, o Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED) já havia divulgado algumas imagens de Mandume, baseando-se nos estudos liderados pelo docente João Lourenço.

Desde 1974 que a imagem falsa vem sendo publicada em organismos oficiais e nos manuais escolares. A primeira vez surgiu na obra ‘Nação Ovango’, da antropóloga Maria Helena Lima, e ganhou mais protagonismo a partir de 1994, quando foi publicada pela actual directora do Arquivo Histórico Nacional, Alexandra Aparício.

 

A sua morte

Tiago Caungo revelou que o herói dos kwanyamas teve a possibilidade de optar por uma “morte mais sublime ao suicidar-se, quando descobriu que seria derrotado”. Segundo os escritos, o rei morreu debaixo de uma árvore, na lavra do avô. Com a sua morte, o reino marcou o início da colonização.

Na historiografia oficial e de acordo com os arquivos, a morte do último e único soberano kwanyama independente, considerado símbolo de resistência de Angola, deu-se a 6 de Fevereiro de 1917, depois de sentir que a batalha contra os colonos estava perdida, em que Mandume, pôs fim à própria vida.

 

Seis anos de reinado

Rei Mandume com imagem retocada

Mandume ya Ndemufayo foi educado por missionários protestantes alemães, naquilo que, na altura, era o Sudoeste Africano Alemão, a Namíbia de hoje. Chegou ao poder em 1911 e o seu reinado durou até 6 de Fevereiro de 1917, ano em que se suicidou.

Em 2002, foi inaugurado o Complexo Memorial do Rei Mandume, local onde se encontra sepultado. Na Namíbia, existe uma avenida em sua homenagem.

Em 2009, a universidade pública, constituída no Lubango, a partir de faculdades anteriormente pertencentes à Universidade Agostinho Neto, recebeu o nome de ‘Universidade Mandume ya Ndemufayo’.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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