Senta-se aqui um pouquinho…

Professor Ferrão

Não haja pretensão de que o português seja uma língua fácil, pois não é. É muito dúctil, é verdade, mas também é muito cheia de labirintos.

Claro que não admira tal dificuldade. Quase todas as palavras em português flexionam, isto é, podem mudar de número (singular-plural), de género (masculino-feminino), alterar o tempo gramatical (presente, futuro, pretérito…), o modo (indicativo, conjuntivo, imperativo…), o aspecto, etc., etc.

Só um pequeno grupo de vocábulos em que se encontram as preposições, conjunções, advérbios e interjeições é que se mantém invariável. A palavra ‘não’, por exemplo, é invariável. Mas a língua procurou, ainda assim, um jeitinho de a tornar maleável e emperrá-la para os substantivos. “Dou-te um ‘não’ ou dois (nãos) e fica tudo resolvido”.

E os verbos? Parece um assunto que se resolve com uma simples conjugação. Não. Ultrapassa essa fronteira. Mais do que saber de cor e salteado que o presente de ‘amar’ é amo; -as, -a; -amos, -ais e –am, conjugar é saber empregar tais formas no momento certo, no lugar certo e com a(s) pessoa(s) certa(s). É também saber tratar bem das pessoas usando correctamente as formas de tratamento, que devem ser escolhidas e mantidas, fazendo sempre as devidas concordâncias com as formas dos pronomes correspondentes.

Quem quer conjugar bem os verbos deve fazer o esforço de não tratar – durante um conversa – a mesma pessoa por tu e você em simultâneo. É difícil manter isso, mas pode ser possível. Até porque, às vezes, isso pode dizer alguma coisa sobre a nossa educação.

Quando ouvi da jovem numa clínica, em Luanda, dizer “…meu senhor, senta-se aqui um pouquinho, por favor”, fiquei sem sabem se, para ela, eu era tratado por ‘tu’ ou por ‘você’. Porquê? É simples.

Com a forma verbal ‘senta’ – já no imperativo –, nós seleccionamos a forma de tratamento ‘tu’. E com o pronome reflexo ‘se’, seleccionamos a forma ‘você’, o/a ‘senhor(a)’.

Para evitar arbitrariedades, convém, nesse caso, optar por “sente-se…” ou “senta-te…”, tudo dependendo do grau de proximidade (tratamento por tu) ou de distanciamento (tratamento por você) que mantemos com o nosso interlocutor.