Prefira o bem do que o mal

Professor Ferrão

Por tudo o que vejo nas crianças, nos adultos, nos letrados e não só, não vai demorar muito tempo para se criar o que muitos gostariam que fosse chamado de ‘angolês’, ou português de Angola, ou português angolano. 

Há muito que se espera para a criação de gramáticas feitas por estudiosos angolanos, feitas conforme o contexto angolano, tendo em conta, entre outros, o seu léxico e morfossintaxe, pois são cada vez mais evidentes os traços da angolanidade no português falado em Angola. 

Não se trata de querer ver-se livre de quem quer que seja – Não! –, nem de querer, a qualquer custo, mostrar que também somos capazes – também não! Trata-se, apenas e somente, de parar e pensar que chegou a hora de amealhar o pouco que é nosso, que foi criado com muito esforço, para se fazer o mesmo que muitos países fizeram. 

O Brasil olhou para a sua realidade e, sem hesitar, criou o português do Brasil (PB). Os Estados Unidos criaram o Inglês Americano (AE), a Austrália, o Inglês Australiano e muitos países africanos de língua oficial inglesa fizeram o mesmo, basta olhar para a forma como os sul-africanos ajustaram o inglês às línguas locais. O Henrique Ulundu que vos diga.

A professora Graça não gostou nem um pouco de ser corrigida por um colega, professor de Direito, e reagiu de maneira muito ríspida, chegando mesmo a dizer: “prefiro falar assim do que falar como tu”.

“Eu vejo todos os dias milhares de pessoas falarem assim. Mesmo os nossos colegas, professores de português, governantes e pessoas ditas da elite… Onde é que está o problema em usar preferir ‘do que’?”

Problema como tal não há. Há já algum tempo que os angolanos, e não só, encontraram expressividade nesta construção, alterando a regência do verbo preferir, contrariando o que está previsto na norma adoptada por Angola. De qualquer dos modos, temos de cumprir regras. Quer queiramos, quer não, a regência do verbo ‘preferir’, à luz das regras que Angola se propôs livremente seguir, exige o uso da preposição ‘a’ e não a locução comparativa. Apesar de, por cá, se usar a expressão ‘do que’ depois de preferir, reitero, a norma recomenda o uso de ‘a’, o que nos conduz a dizer “prefiro falar assim a falar como tu”.

 

Como digo, a nossa língua não é ferruginosa, ela permite a saída e a entrada de novos elementos e nada impede que isso venha a ser assim um dia (do que no lugar de a). Mas, enquanto isso não acontece, “prefiro falar correctamente a seguir a ‘onda’ da maioria”.