Os miúdos não estão rezistados

Professor Ferrão

É preocupante. Tudo por desleixo. A menina vai, em Outubro, completar seis anos, mas, até ao momento, não tem a cédula.

É preocupante. Tudo por desleixo. A menina vai, em Outubro, completar seis anos, mas, até ao momento, não tem a cédula. Já no princípio do ano, à criança foi negado o acesso à creche porque, segundo a mãe, “a filha ainda não estava rezistada”. Péssimo.

No seio de outras crianças, a menina teria a oportunidade de aprender a cantar, desenhar, conheceria novas crianças: socializar-se-ia, desde muito nova, brincando com outras que trazem uma educação diferente. Talvez aprendesse mesmo que quem tem cédula [é porque] já foi registada.

Nos últimos tempos, casos semelhantes tendem a reduzir, mas é possível encontrar muito boa gente por aí a “rezistar” (o quê não sei). Ainda acredito que, com muita persistência e força de vontade, muitos pais passarão o testemunho aos demais que é importante e correcto registar.

A pronúncia correcta da segunda sílaba registo é [ji] de jinguba, jingongo, biologia, e não [zi] de buzina, ou de resisto, que é forma do verbo resistir na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo. É provável que a incorrecção na pronúncia derive de uma confusão com ‘resistir’. Mas este é bem diferente daquele, ‘registar’, ao qual os brasileiros acrescentam um –r- ‘registrar, mas nós (em Angola), e noutras paragens lusófonas, pronunciamo-la sem o –r-. É provável que os brasileiros tenham sido influenciados pelo francês (régistre), ainda assim, mantêm correcta a pronúncia [ji] da segunda sílaba. Pronto. Aí são outros quinhentos.

Trata-se de um verbo de primeira conjugação (terminado em ‘-ar’) e é formado a partir de um nome e um sufixo verbal: registo + ar. Pode ter como modelo de conjugação o verbo ‘amar’.

Esta é apenas mais uma das várias palavras cuja pronúncia de determinados sons são alterados e, por falta de consenso, cada um vai usando a que melhor lhe convém. É o caso do nome da nossa rainha cujo nome varia vezes sem conta: ‘Njinga’, ‘Jinga’, ‘Nzinga’ e ‘Zinga’ (Mbandi). Apesar dessa hesitação, há linguistas que defendem ‘Njinga’ como sendo a correcta. Mas esta dúvida poderia ser esclarecida se soubéssemos exactamente como ela foi registada. Ou ela não teve cédula…?