O português de Angola sabe a funje

Professor Ferrão

Esta é apenas mais uma das enésimas vezes que levanto aqui esta questão

Definitivamente, temos de dar um murro na mesa com veemência e dizer “basta!”. Temos de ser nós, os académicos, a criar uma verdadeira celeuma em torno do português de Angola (e das línguas angolanas, que muitos ainda insistem em chamar de línguas nacionais). Sim, português angolano. Que há muito ganhou forma própria.

Quer queiramos, quer não, o falar dos angolanos é ‘anos-luz’ diferente de qualquer outro no planeta. Não é melhor, não é pior. É tão-somente e tipicamente angolano. Sabe a funje com kizaka e lambula. O nosso falar não tem o mesmo sabor do amendoim de Portugal, nem o gosto da tapioca brasileira. Embora isso não constitua qualquer problema, pois todas essas iguarias matam a fome de quem fala a língua de Camões onde quer que se encontre.

A língua portuguesa em Angola ganhou, em muitos casos, morfologia, sintaxe, fonética léxico e semântica próprios. E posso mbora provar isso que falo. Basta olhar para o conflito que enfrentam os nossos professores de português, que, na sala de aulas, ensinam ‘ontem vi-o na escola’, ‘não gosto dele’, ‘não faças isso, menino’, no entanto, já no corredor da escola, quando se despem da função, na informalidade com os alunos, dizem ‘lhe vi na escola’, não lhe gosto’, ‘não faz isso, menino’. O imperativo negativo é um caso sério e que carece de análise urgente.

Não estou a analisar o que é certo ou o que é errado. Não. Refiro-me apenas ao que são as nossas marcas. Depois, aliás, a própria língua encarregar-se-á de manter ou expulsar quem lhe convier ou não. Lembremo-nos, de entre outros, do caso do machimbombo, que desapareceu naturalmente, sem que alguém lhe xotasse.

É ensurdecedor ouvir os jornalistas esforçarem-se para pronunciar vocábulos à portuguesa, fechando vogais ou palatalizando, de forma exagerada, o ‘L’ no final de palavras. Pode não parecer, mas este é um grande problema que estamos com ele. 

O português chegou a Angola há pouco mais de 500 anos. Não é sadio pensar que somos obrigados a conservar, à risca, o falar do colono, que, durante todo esse tempo, convive com as línguas angolanas. Não é possível. É preciso conformar e normalizar a nossa forma de estar do ponto de vista da língua, sem, é claro, desvirtuar aquilo que nos une e, ao mesmo tempo, nos distingue.