O diagnóstico do doutor Praxedes

Professor Ferrão

Depois de várias horas à espera no banco de urgência de um hospital de Luanda, finalmente, a mãe, uma funcionária pública, pôde novamente ser atendida pelo doutor Praxedes. Apresentou as queixas do menino e aguardou pelos resultados das análises.

“Minha senhora, nesta faixa etária, é imperioso que os progenitores quadrupliquem a atenção para com os petizes. Devido a comportamentos peculiares da puerícia, o menino apresenta sinais claros de flatulência e…”

A mãe, preocupada com o resultado que ouvia, começou a transpirar por todos os lados e cantos. O coração quase lhe saía pela boca. Os lábios ficaram secos. E, depois, desmaiou. Como já estava mesmo no consultório, teve os primeiros socorros e tudo, aparentemente, voltou à normalidade.

“Desculpa, doutor, o meu filho vai ficar bem?”, questiona a mãe.

“Não é objecto de quaisquer apoquentações, minha senhora. É tão-somente uma indisposição que terá sido provocada pela ingestão indevida de alimentos putrefactos ou gaseificadores”, disse o médico.

“Aiué, monami. Mas doutor, o meu filho tem o quê, então?”, assusta-se a mãe.

“Para além da flatulência, observo que também tem sinais de Gastrenterocolite. Mas garanto-lhe, minha senhora, que não terá imbróglio se a toma das drogas ocorrer conforme o estabelecido no prospecto e se a dieta for melhorada.”

Eis que a senhora, mais uma vez, se põe aos gritos no consultório. O medo de perder o filho era visível. Com razão. Ante aquelas doenças todas que o doutor Praxedes apresentava, não era para menos. Já no fim da consulta, o médico alertou: “Se o menino é alérgico, alguns fármacos poderão causar pluridos e…”

Ainda bem que o português apresenta o conceito de níveis de língua, que são variedades de realizações da língua e dependem, assim, do nível cultural, do meio social, ou da situação em que se encontra o emissor e o receptor, assim como dos estados de evolução da língua. Os médicos sabem ou devem saber isso. Não podem usar a língua técnica e científica. Nem a cuidada. Nem todo o mundo conhece aqueles termos assustadores. O ideal é recorrer ao registo corrente, médio ou normal. Só assim, acredito, é que pode haver comunicação. De outro modo, vamos ficar assustados, quando o que o médico nos quer dizer é que o menino tem gases porque terá comido alimento estragado, ou ingerido bebidas com demasiado gás. E ainda que, se o menino é alérgico, alguns remédios podem causar-lhe comichão.