Esta é a senhora que bati no carro dela

Professor Ferrão

Há dívidas de que as pessoas não se esquecem, mas parece que o Man Bebas, o taxista da linha do São Paulo – Mutamba, preferiu ignorar isso. Porém, a Tia Marta não ignorou.

Há dívidas de que as pessoas não se esquecem, mas parece que o Man Bebas, o taxista da linha do São Paulo – Mutamba, preferiu ignorar isso. Porém, a Tia Marta não ignorou. “Tia Marta é a senhora que bati no carro dela no mês antepassado”, comentou o taxista com o seu cobrador.

O cobrador parecia surpreso, porque, num certo dia, Man Bebas saiu e disse-lhe que iria à casa da Tia Marta para tratarem da batida no carro. “Só que, quando cheguei lá, lhe encontrei não estava”, defendeu-se. Passados quase dois meses, Tia Marta, ao contrário de Man Bebas, procurou-o e encontrou-o. Neste dia, segundo o próprio taxista, a senhora só conseguiu apanhá-lo porque, ao dar mais uma ‘mbaia’*, bate no carro da polícia.

Como estava no fim da minha viagem, não pude aperceber-me de como as coisas terminaram, mas acho que Man Bebas tem de mudar de postura. Tem de tentar ser um pouco mais cuidadoso, para o seu próprio bem. De outro modo, terá muitos problemas. Sabem porquê?

As frases proferidas por ele não estão correctas, até porque o melhor verbo,neste caso, seria ‘embater’, que significa ‘colidir’. Em “a senhora que bati no carro dela…” há uma relação de posse entre a senhora e o carro. Para estes casos, podemos recorrer ao uso dos pronomes relativos ‘cujo/a/os/as’ e evitamos, então, a repetição de palavras.

Como o verbo ‘embater’ é regido da preposição ‘em’, (por isso, é considerado verbo transitivo indirecto), é preciso incluí-la (a preposição) na frase em análise. E o enunciado de Man Bebas ficaria melhor: “A senhora em cujo carro embati”. ‘Cujo’, nesta frase, relaciona a pessoa (a senhora) ao objecto que ela possui (o carro).

A outra frase menos boa é “só que, quando cheguei lá, lhe encontrei não estava”. Por um lado, não é possível encontrar-se uma pessoa que não esteja no sítio em que a procuramos. Por outro, a norma da língua portuguesa seguida por Angola prevê o uso de ‘lhe’ para substituir o nome que, na oração, desempenha a função de objecto indirecto. Na frase “…lhe encontrei não estava”, o verbo encontrar pede o objecto directo (o, a, os, as). Como a Tia Marta é mulher, as opções seriam:1) “…quando lá cheguei, não a encontrei”; 2) “…quando lá cheguei, ela não estava”; ou ainda “…quando lá cheguei, ela (já) tinha saído”.

*Mbaia: gíria dos taxistas em Angola, para se referir a manobras, quase sempre perigosas, para escapar dos engarrafamentos.