Aquela miúda me morre

Professor Ferrão

Quem me dera ser… Não, onda não. Ser onda é o desejo, ou era, de Manuel Rui. Quanto a mim, quem me dera ser cantor, para poder brincar com a língua – a portuguesa, claro – e servir-me da sua flexibilidade semântica, sintáctica e, muitas vezes, lexical. 

São cada vez mais as palavras inventadas que surgem no léxico do português em Angola. Algumas até já fazem parte da nossa língua, mas aparecem com novo rosto significativo, os artistas dão-lhe uma nova ‘roupagem’, tal como fazem com as músicas antigas. 

Algumas vezes, são muito criativos e, mesmo sem terem estudado esses assuntos (linguísticos) com profundidade, usam com destreza os processos de formação de palavras.  Suprimem-se algumas iniciais (embora para ‘mbora’ e muda de significado); criam-se novos vocábulos (jajão, que pode significar ‘truque’, ‘ameaça’, ‘finta’, etc.); e mudam mesmo a sintaxe dos verbos. ‘Morrer’ é um deles.

Quando significar deixar de viver, terminar a existência, falecer, é um verbo intransitivo. “Ela morreu” e ponto final. Não há mais conversa. Mesmo nos casos em que se explicam as causas da morte, o verbo ‘morrer’ (de extinguir-se, desaparecer) mantém-se intransitivo. 

No entanto, Master Jake – e tantos outros – comprova, mais uma vez, que, afinal, a língua não é estática e que é possível sempre dar-lhe um novo aspecto. Na música ‘Jajão’, o músico julgava que a namorada o amava tanto que, várias vezes, o convenceu a pedir-lhe a mão em casamento. “Era só Jajão, quando tu dizias que me morres”, lembra Master Jake, querendo dizer “era só um truque quando tu dizias que me adoras”.

Se eu fosse cantor, também tomaria a ousadia de inventar, criar novas palavras. Sorte têm eles, pois eu ainda não me posso dar ao luxo de ‘morrer alguém’. Por enquanto só posso mesmo gostar sem ‘jajão e sem truques nenhuns. Morrer, para mim, só quando Deus quiser, quer eu goste, quer não.