Um’Angola que acontece

Diz Moisés Malumbo, no seu livro ‘Os ovimbundu do planalto central’, que a economia desses povos é “fundamentalmente agrária” sendo as propriedades classificadas em três tipos: Cumbo (tchumbo), que fica atrás da casa, normalmente plantam-se hortaliças e outras verduras de busca e consumo imediato; naka (horta) que se faz junto às ribeiras ou em terrenos baixos inundados em tempo chuvoso; epia (lavra), a unidade maior que garante o sustento familiar e o excedente para permuta e ou venda.

Sendo dos povos que mais migraram, forçosa ou espontaneamente, os ovimbundu levaram aos destinos a sua língua e vocação agrícola. São eles ou seus descendentes já culturalmente à mestiça dos que continuam a desbravar vários campos, alimentando bocas. À entrada de Ngulungu Alto, falei com camponesas de ascendência ovimbundu e camponesas ambundu. Revivi jornadas homólogas nas baixas do Rio Kambuku, em Kalulu e na extinta aldeia de Limbe, na Munenga. Há, por essas bandas, muito café que me recorda a fazenda Kitumbulu de meu avô paterno Fernando Ndambi e as numerosas fazendas cafeícolas libolenses, que pertenceram às empresas estatais Libolo I, II e Libolo III, nos tempos da matrícula AAK. “Quem vai colher o café este ano?”

O título é trecho do poema de Carlos Cabombo, retratando o medo que apoquentava os libolenses no tempo de guerra. O café, produto para exportação, colhido nas fazendas de Musende, Lwaty, Cabuta, Kisongo e Munenga, era ‘a principal riqueza’ até aos anos 1980 do século XX. A guerrilha estava dias sim, semanas também nas cercanias da vila, ocupando vastos territórios, sobretudo as zonas cafeicolas. 

Café maduro, avermelhado bagos doces, reclamando cesto e o terreiro, para secar e escurecer, aguardando-lhe o descasque e torrefacção. Aqui sim, fica negro na boca e deixa amargo, amargura sentida pelo negro. ‘Negro da cor do contratado’ (como escreveu o Ngulungu e se António Jacinto). 

Na fazenda Santa Luísa, Ngulungu Alto encontrei um fortim. Ao que podemos aferir, tratou-se de edifício administrativo da fazenda, com guaritas/sentinelas no topo.

Escombros de outras habitações que terão servido de acampamento para os contratados mbalundu são vislumbrados na parte traseira, sendo o pátio, vasto, ocupado hoje por um bananal que reclama por gotas de água. Os tijolos das edificações vão sendo roubados um a um. Se para erguer outras casas ninguém informou e é pouco crível, o mais provável é que seja para servirem de assentos nas cozinhas cobertas de capim e enfeitar o cimo das campas que se acham à beira da rodovia. Há sim, fora da Mutamba, Luanda, um país que acontece!

 

 

 

 

 

 

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