Narciso Benedito, director do Gabinete Provincial da Educação de Luanda

“Sou um fervoroso adepto dos exames nacionais”

O responsável pela Educação na capital desvaloriza o “medo” de quem encontra na logística a razão para o país não organizar, já este ano, o exame nacional único. Narciso Benedito, que não concorda que o assédio dos alunos deveria merecer a mesma atenção que o de professores, explica por que os colégios têm o direito de impedir os alunos com dívidas de assistirem às aulas e reconhece que Luanda, nos concursos académicos, está longe de ser a melhor província.

“Sou um fervoroso adepto dos exames nacionais”
Santos Sumuesseca
Entrevista com Narciso Benedito
Narciso Benedito

Narciso Beneditodirector do Gabinete Provincial da Educação de Luanda

Somos o único país, aqui na vizinhança, que não faz exames nacionais. E depois queremos dizer que temos de estar alinhados e que existe o protocolo da SADC para Educação e Formação.

Nestes mais de 12 meses como director do Gabinete Provincial da Educação de Luanda (GPEL), o que destaca como positivo?

Tentámos alinhar com todos os actores do sistema educativo a visão de que temos de ter uma escola de confiança, porque entendemos que nenhuma organização corresponde à expectativa da clientela se a clientela não confiar nessa organização. Temos de nos organizar de maneira que inspiremos confiança naqueles que utilizam os nossos serviços.

 

Quando chegou ao GPEL, não se confiava nas escolas?

É preciso que isso seja manifesto. Não é uma questão implícita. Temos de, explicitamente, ter consciência de que o que estamos a fazer é para reforçar a confiança nas nossas instituições escolares. A sociedade tem de olhar para escola e encontrar nela as condições que lhe oferecem confiança: tem de haver efectividade, atractividade e eficácia. Tudo isto contribui para o reforço da confiança. Se me perguntar se todas estas condições estão reunidas, diria que, sim, as escolas têm materiais, mas também, sim, os materiais que as escolas têm ainda são insuficientes.

 

Mas a percentagem pende para o lado positivo ou negativo?

Estamos mais para o lado positivo, porque o negativo seria se lhe dissesse que há escolas de Luanda em que os alunos se sentam no chão.

 

Não há estes casos em Luanda?

Em todas as salas de uma mesma escola? Não! Por isso, estou a dizer que temos insuficiências. Há um plano de distribuição de carteiras, já estivemos no Cazenga, em Viana e no Kilamba-Kiaxi. Precisamos de eliminar esta situação porque, se estão todos na sala e uns têm carteiras e outros não, significa que há alunos cujo mau acondicionamento pode levar a que sejam ‘mal-escolarizados’. O outro extremo é o caso de escolas em que não faltam carteiras, mas há um excesso no número de alunos na sala, que chega a ultrapassar os 80, o que tem impacto sobre as condições de aprendizagem, pois a norma recomenda que sejam 45 alunos por turma.

 

De quantas escolas Luanda precisa para reverter este quadro?

Contas por alto, mais ou menos, duas mil.

 

Havendo essa necessidade, como se explica que Luanda tenha 20 escolas que não funcionam, devido à paralisação das obras e/ou degradação das infra-estruturas?

Não lhe posso dar uma resposta concreta. A responsabilidade do GPEL é gerir o processo docente-educativo. Construir e reparar escolas é uma responsabilidade dividida entre o Ministério da Educação e o Governo Provincial de Luanda.

 

Mas já relatou estas necessidade a essas entidades?

Seria absurdo não ter relatado isto e seria absurdo pensar que estas entidades não têm conhecimento disto.

 

O que falta, então?

Não pergunte a mim, vá perguntar-lhes. Se lhe disser que as actuais condições económicas e financeiras do país têm impacto sobre a eficácia dos projectos de investimento público, estaria a dizer-lhe uma coisa que já sabe. Portanto, perguntar “o que falta?” é querer ignorar o conhecimento que se tem.

 

Como é substituir André Soma, que dirigiu o GPEL por mais de 20 anos?

Este processo foi natural. Como se diria nas alfândegas, não há nada a declarar.

 

Tendo sido secretário de Estado e vice-ministro, sente-se confortável na actual função de director provincial?

Esta experiência permite que a área não me seja estranha. As funções que desempenhei anteriormente dão-me uma visão global da Educação no país. Não vejo nenhuma dificuldade. Tenho experiência, conhecimento e, antes de tudo, formação.

 

Em Dezembro de 2018, o GPEL anunciou que os professores que assediassem os alunos seriam demitidos. Quantas demissões houve?

A mais recente é a do professor da ’14 de Abril’ [de 45 anos, que foi condenado por ter combinado um encontro sexual numa hospedaria com uma aluna de 20 anos, com a promessa de lhe dar nota positiva numa prova de Francês].

 

Mas o assédio já motivou quantas demissões?

Numa análise qualitativa, nem sempre se pode avançar números: é mais comportamental. Hoje, os professores têm um certo receio de se comportar de qualquer maneira sob pena de lhes acontecer o que aconteceu aos demais. 

 

Há quem diga que há mais casos de alunos a assediar professores do que o inverso. Não é imprudente o anúncio sobre assédio visar apenas docentes?

Sou professor, adulto, estou na minha sala e há uma criança que olha para mim de forma provocante, qual é o meu papel? Entro no jogo?

Não haveria maior inibição nos estudantes se o GPEL tivesse previsto punição para eles também?

Não, não, o meu foco é o educador.

 

Mas estes educadores, em alguns casos, lidam com estudantes que já atingiram a maioridade…

Os meninos e meninas de 18 anos não são educadores. Educador é o professor. Dentro da sala de aulas, o professor é o responsável por todos os processos que lá se passam. O professor não tem de tolerar gestos, olhares, atitudes e comportamentos dos alunos que tenham mau carácter.

 

Todos os anos, colégios impedem alunos com dívidas de fazer a prova…

Estes casos são preocupantes e já existe uma orientação escrita a determinar que nenhum colégio impeça o aluno de fazer a prova por falta de pagamento, porque o contrato não é assinado com aluno, é entre os pais/encarregados e o colégio. Se o pai do aluno não pagou, o colégio tem o direito de impedir a frequência às aulas. Não assistindo às aulas, o aluno leva falta e, chegando ao limite de falta, reprova. Reprovando por faltas, o aluno já não pode fazer a prova. Se o colégio não impediu a frequência às aulas aos alunos com dívidas e não marcou as faltas, porque é que, no final, vai impedi-los de fazer a prova? Isso não é sério.

 

A recomendação de impedir a frequência às aulas não deixa o aluno desprotegido?

Cada um tem de respeitar as suas obrigações. Não vou proteger o aluno de qualquer maneira. Se o pai tem dificuldade em pagar, informa o colégio e os dois negoceiam, entrando num acordo que permita ao aluno prosseguir os estudos. Os colégios falham porque não respeitam o direito de cobrança dentro dos prazos e não aplicam as faltas e nem impedem a frequência à aula, pois a propina não é mais do que o direito de frequência às aulas: se não pagou mensalidade, não frequenta as aulas. E a quem não frequenta as aulas, são marcadas faltas que levam à reprovação, o que retira ao aluno o direito a exame. Se o colégio não fez isso, não pode, depois, impedir o aluno de fazer a prova.

 

Há colégios cuja propina é cobrada até ao dia 10 ou 15 de cada mês. Qual deve ser a regra?

Isso é uma questão contratual. O que nós definimos é quantos meses devem ser pagos. Se é no dia 1 ou 20, isso não é problema do GPEL, é problema contratual.

 

Há educadores que criticam a ideia de se implementar exames nacionais, alegando que é preciso ‘arrumar casa’. Concorda?

Concordo com o princípio de que o caminho se faz caminhando. Temos de avaliar qual é o grau em que os conhecimentos que estamos a transmitir aos alunos são assimilados e em que medida os objectivos definidos para cada nível de ensino estão a ser alcançados. E isto só se faz com uma medida que se chama ‘Exame Nacional’. É certo que existem problemas logísticos, mas temos medo disto? Não é por existirem obstáculos no caminho que se deve desistir. Sou um fervoroso adepto dos exames nacionais.

 

Porquê?

Somos o único país, aqui na vizinhança, que não faz exames nacionais. E depois queremos dizer que temos de estar alinhados, que existe o protocolo da SADC para Educação e Formação, existe a possibilidade de mobilidade estudantil. Por uma questão de coerência, temos de fazer exames nacionais, conhecendo os obstáculos ou desafios que temos pelo caminho.

 

Estes exames promovem a disputa entre províncias e Luanda, nos concursos académicos, costuma sempre ser superada…

As nossas marcas não são muito famosas, claramente. E o factor determinante é o professor.

 

Luanda tem maus professores?

Não. Estou a dar um exemplo para dizer que o que determina o sucesso do processo educativo, em última rácio, é o professor e a sua atitude perante a aprendizagem. Por isso, quando me perguntou sobre o assédio, falei muitas vezes do papel do professor. O educador tem de ter conhecimento, formação, competências e uma atitude ética e responsável. Se atitude do professor for ética e responsável, no exercício da profissão sobre a qual tem formação, este professor é de confiança. 

Números da Educação de Luanda

Na rede pública, a capital tem um total de 773 escolas públicas: 397 primárias, 86 do I ciclo, 45 do II ciclo, 210 complexos escolares e 35 institutos, que resultam em 9.165 salas de aulas. Na rede privada, os dados do Gabinete Provincial da Educação de Luanda fixam em 1.294 escolas privadas, 1.392 escolas público-privadas, as comparticipadas, o que dá um total geral de 3.449 escolas. Em termos de docentes, até 2018, o sistema funcionou com mais de 28 mil professores, que atendem mais de 900 mil alunos da primária, mais de 380 mil do I ciclo e cerca de 243 mil do II ciclo, totalizando mais de um milhão e seiscentos alunos.

 

 

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