Hereros, quase exterminados entre 1904-1908

Primeiras vítimas de genocídio da Alemanha

O primeiro genocídio do século 21 inicou-se há 115 anos na Namíbia. A Alemanha exterminou cerca de 100 mil hereros (um povo que também habita o sul de Angola). Na altura, 80 por cento da população desapareceu, em resposta a uma revolta. Berlim pediu desculpas 100 anos depois, mas recusa-se a indemnizar.

Primeiras vítimas de genocídio da Alemanha

Durante quatro anos, entre 1904 e 1908, a Alemanha desenvolveu uma guerra cirúrgica, que resultou no extermínio de cerca de 100 mil habitantes da Namíbia, entre hereros e namas, ambos povos pastores. Tudo começou com a revolta de 12 de Janeiro de 1904, desencadeada pelos hereros. 

Desde que tomaram a Namíbia, os colonos alemãs apoderaram-se do gado e das terras, na maioria, pertencentes aos hereros. Durante 20 anos, desenvolveram fazendas e foram fazendo crescer o gado. O que restou para os hereros e namas foi vítima de uma peste bovina que se agravou nos finais de 1903.  Foi o detonador para a revolta.

A 12 de Janeiro de 1904 – à semelhança do que viria a acontecer no norte de Angola em Março de 1961 – criadores de gado hereros, com o apoio dos vizinhos namas, rebelaram-se contra os fazendeiros brancos alemães e contra a administração local. Armados com mais de seis mil fuzis, atacaram uma guarnição militar, queimaram fazendas e sabotaram linhas ferroviárias. Morreram 100 colonos. O ataque foi liderado por Samuel Maharero, chefe da região de Okahandja, no norte do que é actualmente a Namíbia. 

O que se seguiu teve consequências devastadoras. Durante dois anos, os colonos alemães levaram a cabo um genocídio, com ‘requintes’ de experiências que iriam ser a imagem de marca de Adolf Hitler, 30 anos depois: a selecção por raça.

A contra-insurreição começou por ser liderada por Theodor Leutwein, que acumulava, durante 10 anos, o cargo de governador da colónia com o de comandante do Exército Colonial. Mas não conseguiu travar os ataques dos hereros que ainda iriam durar, mas de forma esporádica, uns meses. 

A Alemanha decidiu, por fim, entregar a resposta a Lothar von Trotha, um general que já tinha estado no Togoland (actual Togo) e Ostafrika (região que reúne hoje Tanzânia, Ruanda e Burundi). Com ele, atracaram na Namíbia, em Junho de 1904, seis navios de guerra, 15 mil soldados, canhões e muito armamento. A missão já tinha sido definida: acabar com a revolta, usando por todos os meios. 

A repressão começou a tomar outros rumos e a ganhar outros contornos. Aos colonos alemães, o general dizia “acreditar que a esta nação deve ser aniquilada". 

A primeira carnifina começa logo em Agosto, com o cerco aos hereros que se tinham refugiado num planalto. Os sobreviventes fugiram para o deserto de Kalahari, mas encontraram poços de água envenenados pelos militares. 

Começou o extermínio, obecendo à directiva de Lothar von Trotha, assinada a 2 de Outubro. “Nas fronteiras alemães todos os hereros, armados ou não, em posse de gado ou não, serão mortos”. 

Além dos ataques, os alemães começam a tentar cumprir uma velha ambição: criar um território inteiramente branco. Os prisioneiros passaram a ser tatuados com letras GH (‘Gefangener Herero’, que significa ‘herero prisioneiro’). Todos são deportados para campos de concentração em Luderitz, Karibib, Swakopmund ou Shark Island e submetidos a trabalhos forçados. Dos 3.500 detidos na Ilha dos Tubarões, apenas 200 sobreviveram.

É na Namíbia que a Alemanha faz as primeiras experiências de ‘apuramento’ da raça, que viria a ser o maior suporte ideológico de Hitler. O médico Eugen Fischer aproveitou os campos para experimentar as pesquisa genéticas sobre esterilização feminina e ‘desenhos’ de corpos perfeitos. Os resultados chegaram à Universidade de Berlim e iriam influenciar Adolf Hitler e médicos nazis, incluindo Josef Mengele, chamado ‘Anjo da Morte’, do campo de Auschwitz.

As experiências e os campos de concentração terminaram quando a Alemanha sentiu a necessidade de ter de mão-de-obra para retomar a agricultura no país já pacificado. A imprensa alemã começava também a dar conta das denúcias que surgiam em jornais franceses e ingleses. O genocídio terminava em 1908, depois da demissão de Lothar von Trotha. 

Durante esses anos de massacre, 80 por cento dos hereros e metade dos namas tinham sido mortos. 

A Namíbia, ainda não com esse nome, passou a ser um protectorado da África do Sul, governado por uma minoria branca, durante a I Guerra Mundial, entre 1914-1918 e só viria a ser independente em 1990. 

A Alemanha só viria a reconhecer os massacres, apenas em 2015, admitindo ter tido a responsabilidade "moral e histórica" e classificano os acontecimentos como "um crime de guerra e um genocídio". No entanto, Berlim continua a recusar dar as indemnizações exigidas pelos descendentes dos herero e namas. O ano passado, o governo entregou, a alguns descendentes, de restos mortais de hereros que foram transladados para a Alemanha para serem usados em experiências.  

 
França atenta

Os massacres da Namíbia mereceram uma especial atenção da jornal francês L’Obs, na edição desta semana, que publicou não só a história desses anos, mas também relatos da imprensa francesa na altura. Entre elas, a do jornal L'Echo de Paris, a anunciar uma “grave insurreição”, com a decrição de que “cerca de 65 mil indivíduos levantaram-se e ameaçam ferrovias, fazendas, propriedades e colonos". No mesmo dia, o Le Journal dava conta do “pânico alemão”:  “Todos esses negros que são vizinhos dos territórios britânicos, de repente, viram-se armados com recentes modelos. Diz-se que não há uma única arma em toda a colónia, porque foram enviadas para a Alemanha para reparar”. O jornal Deutsche Zeitung mostrava-se indignado pelos efeitos dos ataques dos hereros: “eles destroem o nosso prestígio como uma nação colonizadora".


Império em África

Em 1884, o império alemão atingia a África subsariana, depois de recuperar, à França e ao Reino Unido, que detinham mais de metade do continente, quatro colónias: Togolândia (Togo), Ostafrika (Tanzânia, Ruanda, Burundi), Camarões e a então Sudoeste de África, a actual Namíbia.

Rapidamente, os alemães confiscaram terras e o gado de grupos étnicos, principalmente hereros e namas. As duas tribos demoraram 20 anos a reagir, com a revolta. Muitos habitantes fugiram para o sul de Angola, para as regiões do Namibe e do Cunene, onde são acolhidos pelos (ainda) poucos colonos portugueses, também eles preocupados com a ascenção alemã em África.