Pontos de intersecção

Pontos de intersecção
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Há uma nota que sobressai no conjunto da avaliação do primeiro ano de João Lourenço. O novo líder do MPLA e Presidente da República não tenciona ser inscrito como um presidente qualquer. Quer fazer e deixar história, mas repetindo a febre inicial de ruptura de Agostinho Neto e de José Eduardo dos Santos. Mora aqui o ponto de convergência entre os três.

Agostinho Neto venceu várias batalhas intestinas antes de se afirmar como líder irrefutável do partido e do Estado. Após a conquista da derradeira vitória, frente aos fraccionistas do 27 de Maio, refundou o partido. Transformou-o em partido do trabalho no mesmo ano em que o MPLA viveu o evento mais dramático da sua história. Era a reafirmação da construção do partido-estado de influência soviética.

Os primeiros anos da consolidação de José Eduardo dos Santos também começam por revelar um líder reformista. Na segunda metade da década de 1980, José Eduardo dos Santos confia a jovens tecnocratas os primeiros ensaios que abririam caminho para a transição do modelo económico. A derrocada da União Soviética ainda estava por confirmar. Era a reforma anunciada e que se formalizaria com o advento da economia de mercado e do multipartidarismo parlamentar. José Eduardo dos Santos refunda assim o partido, abrindo caminho para o abandono definitivo da sua versão marxista. Pelo meio e com o poder consolidado, afastou, repetidas vezes, opositores internos. Em José Eduardo dos Santos também encontramos, ainda na década de 1980, os primeiros discursos violentos de combate à corrupção e de moralização da administração pública. Acabou por ser o seu maior fracasso, ainda que tenha governado em circunstâncias diferentes.

Na sua vez, João Lourenço repete a fórmula. Vira as baterias contra alvos internos; afasta indecisos e opositores declarados; redirecciona a acção política para fora, em detrimento da organização interna, e define um novo perfil para o militante. É outra tentativa de renovação, assente na ideia de que a refundação do Estado depende da refundação do MPLA.

Com evidentes pontos de intersecção, o percurso de João Lourenço mal começou para uma avaliação justa, rigorosa e completa. As opiniões de circunstância são inevitáveis. As críticas específicas sobre as suas decisões de governação são incontornáveis. O balanço anual sobre o seu desempenho é obrigatório. Mas o trabalho no seu conjunto só poderá ser medido após o primeiro mandato.

Juntar homens de negócio com a política, por exemplo, não é uma invenção de João Lourenço. Há muito que a política e os negócios são irmãos siameses. E se a afirmação de que “em Angola sempre foi assim” é insultuosa, abundam exemplos pelo mundo. Até chefes de Estado-empresários existem aos pontapés por todo o lado. Lutar contra isso é um protesto declaradamente inglório. O que se deve exigir a João Lourenço é outra garantia. É a fiança de que as instituições do Estado vão de facto agir se, em algum momento, os empresários que colocou na política confundirem o pessoal com o interesse público. Na verdade, é preciso dizer isso de outra forma. Se João Lourenço tivesse de governar sem gente ligada a negócios, seguramente tinha de governar sem o MPLA.