Pitéus na Soyuz

Entre ‘kudyatende e katleta’ é melhor pedir Spaciba. A falar Português, ainda consegui passar o ‘tira água’. Já no inglês, estava no ‘mais pior’. Quanto ao Russo, makanya. Não passava do ‘piva, karashô, nasdaróvia, rhui, kurva, samalhiot e pravda’. Em Moscovo, para passeio, nessas maluquices que, às vezes invadem a cabeça de pobre com dinheiro, Manelito meteu-se num restaurante. Chique de roer e lamber os dedos na hora da janta. Uma kindoza, já de idade um pouco avançada, fazia gemer com os dedos delgados o piano que se achava na sala, vasta, arejada e redonda. As melodias não conhecia, porém, a harmonia fónica fazia-o viajar por todos os lugares de elegância refinada que ia conhecendo. Manelito já nem sabia onde estava, Paris, Veneza, Nova Yorque, Macau, Tóquio ou Abu Dhabi. Viajava a cada dedilhar da velhota. E não era só no pensamento. Era mesmo o corpo todo a experimentar a contemplação do belo que eram aquela polifonia.

Na hora do pitéu, sem a utilidade do kimbundu materno, sem um dicionário que lhe quebras se o galho, olhou à direita, à esquerda e aos jovens atendedores, garçon e garçonete, com finura no falar e até no andar.

- What is this? – indagou. 

- Kudyatende. - Recebeu oralmente. 

- Kudya kê? Comer ditende, eu?... (comer lagarto, eu?) Entre pura coincidência fonética e ou semântica, preferiu guardar a indignação.

- É melhor ir perguntando. Quem sabe dessa língua escura na interpretação apareça algo que dê jeito?! - Continuou, já agora, a olhar para a garçonete:

- Please, what is this? - perguntou, olhando para um manjar acabado de servir a um vizinho de mesa.

- Katleta – respondeu delgada.

- Atleta pequeno?! Na minha banda o ‘ka’ é diminutivo. – pensou. Assim, isso que parece carne moída, forrada com pasta de ovo é carne de atleta ou para atleta? Ficou só pelo pensamento pois receava haver na vasta sala um lusoglosador que podia chacoteá-lo. Ficou-se pela sopa, que sabia pronunciar, seguido de um ‘Spaciba!’ 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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