Pessoa mon’adial ô ‘amuhatu’?

Conta-se que, certa vez, ao tempo em que as autoridades tradicionais eram obrigadas a recrutar, entre os seus, pessoal activo de ambos sexos para os levar ao posto colonial, de onde os fazendeiros e serviços públicos iriam escolher ‘mão-de-obra’ semi-escrava (pesudo-contratos) para as empreitadas, um soba levou filhos e sobrinhos ao administrador comunal para evitar represálias. O administrador, um semi-analfabeto, barbudo e barrigudo, pergunta:

- Ove lá, ó preto! Quantas pessoas trouxeste?

Atónito, velho Kikundu, olhos apenas na palmatória com se se esborrachava as mãos dos sobas faltosos, nem mais atenção prestou á pergunta. Pensando ele que ‘pessoa’ fosse nome de alguém, meteu-se aos prantos.

- Pessoa nãe. Mona a dyala ô mona a muhatu? (Quem é Pessoa? É homem ou mulher?) - Indagou entre os seus, sem que resposta alguma lhe fosse também dada. 

Bangão e maldoso, lá veio, de novo, o chefe de Posto.

- Ove lá! Não me consegues dizer quantos patrícios trouxeste sem que o verdugo do capataz te suba às costas?

E não se fez demorar o ‘grito’ da palmatória para o choro inocente daquele homo angolensis.

Velho Kikundu foi devolvido à aldeia com as mãos inflamadas, enquanto os desafortunados aldeões levados à renda dos que já lá sofriam ano e meio seriam recolhidos para uma tonga onde o chicote assobiava de hora em hora, onde a sede se escondia medrosa no suor do labor e onde o peixe e fuba podres eram luxo na hora da fome.

Noutro dia, já na tonga, a empreitada era escavar uma montanha para nela fazer passar o tractor. Homens ‘distratados’ foram mobilizados. A fila chegava a meio quilómetro. Maior mobilização, para uma só tarefa não havia, registo. Sete dias era o tempo esperado pelo patrão-aldrabão. Fuba, um saco. Feijão, meio saco. Peixe seco do Tômbwa, meia caixa. Capataz recebeu sem reclamar. No terreno, dia e meio, ração minguou... Quem vai pedir reforço?

- Vai o capataz. - Disseram todos.

- Nem que me matem.- Retorquiu ele receoso da brutamontisse daquele colono branco.

Um jovem, dezanove anos na imaginação do narrador. Saiu do fundo e colocou-se a diante.

- Ki kapataji ketele, eme ngyako (se o capataz não quer eu vou falar com o branco)!

- Eye, wiñana iki (você, um simples macaco no entendimento do branco?)

- Ngyako – insistiu disposto.

Uns já afiavam catanas e flechas para suprir a carência com recolecção. 

- Ses(s)a, phatalá! Nzangi yeli eji njila ijikuka mas subha é pocu!

(Dê-me licença patrão. A malta mandou transmitir que o caminho será aberto mais a fuba é pouca).

O patrão, nem uma, nem duas. 

- Ó criado?! – chamou Costa Curta ao doméstico embrenhado em tarefas domiciliares para interpretar e traduzir no seu "Pretuguês".

- Faló assi: caminho estó abrir, mas fuba co pexi nú chegó.

 

Hora depois, voltava Katako acompanhado de um serviçal, carregando reforço alimentar. Foi ali mesmo, e sem mais anuência do patrão, elevado à categoria de capataz. O medricas teve de se entregar à fúria dos jacarés no rio Longa.

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