O que conta no fim de contas

Em 2016, o ‘tema FMI’ terá levado à exoneração do então ministro das Finanças. Foi o que noticiou o Valor Económico na altura e a informação nunca foi contradita. Por esse critério, é uma versão historicamente válida.

Precisando os factos, afirmavam fontes do jornal que Armando Manuel teria batido à porta do FMI para início das negociações sem o beneplácito expresso do então Presidente da República. E o que constava em cima da mesa era precisamente o que se coloca agora: um programa de assistência técnica acompanhado de um envelope financeiro acima dos quatro mil milhões de dólares.

O motivo da hesitação era óbvio. O país ia a votos em 2017 e o MPLA, desgastado também pela crise, não se atreveria a aplicar um programa que agravasse a austeridade em ano eleitoral. A partir daí, as especulações acabaram. O Fundo Monetário Internacional só interviria com ajuda financeira após à formação do novo governo. A estratégia do MPLA estava assim montada, consciente de que ganharia a batalha eleitoral.

As preocupações relevantes que se colocam agora não são, por isso, quanto à determinação do Governo de avançar com o Fundo. A decisão está tomada e, ao que consta, era inevitável. Quer pela explicação do acesso a empréstimos mais competitivos. Quer pelo argumento da assistência técnica na melhoria da gestão orçamental.

O problema é outro. O FMI vai impor contrapartidas com consequências agravadas sobre os rendimentos das famílias mais carenciadas. E o Governo ainda não explicou, com clareza, como pretende atenuar o impacto dessas medidas. Quando toca no assunto, fá-lo de forma abstracta e tudo fica na mesma. Um exemplo terminado desse discurso esdrúxulo é a forma como envolve a ladainha do investimento na educação para responder a essa questão específica da protecção das populações mais expostas. Ninguém de sã consciência questionará o papel insubstituível da educação no combate à pobreza. Mas esse caminho deve ser entendido sempre como um processo permanente e que leva tempo. 

As necessidades de hoje – as de curto prazo – não podem ser negligenciadas. Por uma razão simples. Em Angola, quando se fala de pobreza, está a arrolar-se também pessoas que, ao fim do dia, têm de escolher se usam a renda diária para jantar ou para mandar o filho mais velho à escola no dia seguinte. É isso que não é suficientemente aferido quando se discute, por exemplo, a eliminação de determinados subsídios públicos.

No caso dos combustíveis, para se justificar o corte, dissemina-se geralmente a ideia de que os mais favorecidos são os maiores beneficiários. Mas uma afirmação dessas só deveria ser permitida se respondesse imediatamente a uma pergunta incontornável. Como se vai defender o funcionário que, pelo aumento do preço do combustível, terá de pagar mais 50 ou 100 kwanzas pelo táxi, ganhando menos de 100 dólares por mês? O mesmo pode dizer-se em relação ao corte dos subsídios aos transportes públicos. Há trabalhadores que estão no limiar do salário mínimo nacional (hoje abaixo dos 70 dólares) e que só podem usar o autocarro. Como o Governo pretende colocá-los a saltar dos 50 para mais de 100 kwanzas por viagem, mantendo-se o mesmo rendimento? No fim de contas, a ausência de respostas a essas perguntas é que gera confusão. O resto é teoria.