Número de burlas aumenta e chega às redes sociais

Nem carros, nem empregos, apenas burladores em acção

Os burladores, com promessas de venda de carros e ou de oferta de emprego, já usam, além dos meios tradicionais, as redes sociais. Sobe o número de queixas na Polícia. O nome de instituições governamentais tem sido usado. Mas estas demarcam-se e são obrigadas a fazer avisos.

Nem carros,  nem empregos, apenas burladores em acção
Mário Mujetes
No primeiro trimestre de 2018, a Polícia Nacional, só em Lua

Não identificados, estão a usar de má-fé o nome do Porto de Luanda para burlar pessoas desprevenidas, com a promessa de venda de viaturas armazenadas no recinto portuário.

As instituições públicas, como os ministérios da Educação, da Saúde, do Interior e dos Transportes, o Governo Provincial de Luanda, Porto de Luanda e os Caminhos-de-Ferros de Moçâmedes, têm sido usadas por burladores a oferecer empregos, carros e vagas para as matrículas das crianças em diferentes escolas.

Por exemplo, a táctica dos burladores, quando querem ludibriar na oferta de viaturas, começa com uma ligação telefónica. Apresentam-se como funcionários do Ministério da Educação, que é o mais usado. Falam com simpatia para convencer as vítimas, dizem o nome completo da pessoa, perguntam se é funcionário do Ministério, para depois dizerem que ganhou uma viatura de marca X, e que esta se encontra no Porto de Luanda, para a desalfandegar.

Depois da chamada telefónica ser desligada, passados alguns minutos, o telefone toca, outra pessoa anuncia-se, explicando que está ao serviço do senhor anterior, confirmando as regras, ditando para que o carro seja entregue. Para isso, exigem antes um depósito numa conta bancária.

Este esquema foi o usado na tentativa de burla que Paulina Timóteo escapou. Professora numa das escolas de Cacuaco, foi contactada pelos burladores quando ainda estava no local de trabalho. Feliz pela notícia, de supostamente ter uma viatura de marca Toyota Hilux, foi partilhar a informação com as colegas que, de imediato, contaram ao director da escola. Este, desconfiado, alertou-a de que se tratava de uma burla.

Meio confusa, Paulina Timóteo liga de volta para o contacto, mas o telefone deixou de atender. O marido, também professor, aconselhou-a a falar com os homens de que só daria o dinheiro depois de ver a viatura. Duas horas depois, os mesmos voltam a ligar a dizer que a senhora “perderia a viatura por não depositar os valores”. Paulina, seguindo as instruções do esposo, diz-lhes que não fez o depósito por os bancos estarem muito cheios, pelo que tinha os valores em mão e que podia entregar. A proposta foi recusada, mantendo a exigência de que a transferência, ou depósito bancário, teria de ser feita no dia a seguir. Depois, nunca mais ligaram.

Quem não escapou a este esquema foi José Miguel Domingos, funcionário público. Contactado por telefone e ansioso, depositou 50 mil kwanzas, valor solicitado pelos burladores, como forma de tratar todo o processo para a entrega da viatura. Quando confirmou aos burladores esse depósito, mandaram-lhe deslocar-se ao Porto de Luanda, e contactar um senhor identificado como Mabiala e que iria, de “imediato”, entregar as chaves da viatura. Minutos depois estava ele, defronte ao portão principal do Porto, solicitou informações aos seguranças que o informaram de que tinha sido enganado. “Desolado, fiquei sem reacção”, contou. Os seguranças aconselharam-no a ir ao balcão cancelar depósito. “Corri como louco, cheguei ao banco, disseram-me que os valores já tinham sido movimentos em Cabinda e a conta zerada”, revela. Só lhe restou ir fazer uma queixa a Polícia Nacional, que continua a investigar o caso.

Neste esquema, muitos têm sido burlados, o que obrigou, em 2018, a direcção do Porto de Luanda a emitir um comunicado, no qual destaca que um grupo organizado de indivíduos, “não identificado, está a usar de má-fé o nome do Porto de Luanda para burlar pessoas desprevenidas, com a promessa de venda de viaturas armazenadas no recinto portuário”.

O documento, elaborado pelo gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do Porto de Luanda, narram um facto ocorrido nas imediações da instituição testemunhado pela direcção de Segurança e Ambiente, em que um grupo tentou burlar um cidadão, a quem pediu que fizesse um depósito bancário de um montante definido, para a compra de uma viatura. Os burladores solicitaram ainda um depósito adicional para o acesso ao interior das instalações do Porto para confirmar a presença da viatura.

Na nota, o Porto de Luanda sublinha que não vende mercadorias e que o trabalho que desenvolve consiste em movimentações de carga e descarga, com base no processo de importação e exportação.

Nas redes

A rede de burladores também actua nas redes sociais, sobretudo no Facebook. Há muitas páginas a vender produtos a preços baixos, em que o interessado é “obrigado” a depositar valores, com a promessa de o produto ser entregue ao domicílio.

No ano passado, um estrangeiro, que faz questão de não ser identificado, pretendia comprar uma viatura para a namorada. Procurou via internet. Viu, na página do OLX, uma viatura Suzuki Swift, zero quilómetros. Interessou-se sobretudo pelo preço. Entrou em contacto com um senhor, que se identificou como sendo libanês, tendo enviado fotos da viatura, em duas cores para escolher. Este suposto libanês solicitou-lhe a documentação para preparar o processo e encaminhou para um outro senhor, chamado ‘Paulo’, que iria enviar o número de conta para fazer o pagamento do adiantamento. O comprador depositou 500 mil kwanzas, uma primeira prestação, para uma viatura que iria custar um milhão e 250 mil kwanzas.

Depois seguiu-se um período de muitas conversas, via telefone, Facebook e WhatsApp. Após esse processo, de chamadas atrás de chamadas, chegou a informação de que o carro não podia ser libertado com apenas o adiantamento e que só se conseguia com o pagamento integral. “Na ansiedade efectuei o pagamento do valor restante e enviei o comprovativo, via WhatsApp, indicando que agora seria desbloqueado”, lembra.

Depois de alguns dias, depois de novos intensos contactos, comunicaram-lhe que a viatura, por ele escolhida, tinha tido um acidente, pelo deveria esperar por outra.

Tal como o Porto de Luanda, também o Governo Provincial de Luanda (GPL), em nota, alertou os luandenses a estarem “vigilantes em relação às ofertas de emprego e viaturas, feitas por indivíduos de má-fé e que solicitam, em contrapartida, o depósito de quantias monetárias numa determinada conta bancária, para o expediente burocrático”. De acordo com o documento, muitos desses indivíduos identificam-se como sendo funcionários do GPL, usam o nome da instituição para “extorquir” dinheiro.

O GPL já avisou que declina qualquer responsabilidade sobre os actos desses burladores “imbuídos do espírito de obtenção do lucro fácil”. Na maior parte dos casos, esses indivíduos dizem trabalhar em instituições do Estado ou em áreas petrolíferas. Ligam para uma vítima a quem, por regra, conhecem o nome, ocupação e outras informações adicionais.

Outra instituição pública que foi obrigada a fazer um comunicado, por ver o seu nome envolvido em actos de burla, foi o Caminho-de Ferro de Moçâmedes (CFM). Numa nota de imprensa, destaca que um grupo de indivíduos está a usar o nome do CFM para burlar, cobrando 22 mil kwanzas, com a promessa de emprego na ferroviária, denuncia o Conselho de Administração do CFM, alertando que o grupo é “liderado por um indivíduo identificado por Paulo Gouveia, que se assume como director dos recursos humanos”.

Sem avançar detalhes do tempo da existência do esquema, a empresa “demarca-se deste tipo de atitudes”, esclarecendo que esse “elemento nunca fez e não faz parte do quadro de pessoal”.

Números em crescimento

No primeiro trimestre de 2018, a Polícia Nacional, só em Luanda, registou 121 casos de burlas. Houve um aumento de queixas, comparando aos casos registados no igual período em 2017, em que foram registados 69 casos. De Janeiro a 15 de Dezembro de 2017, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) registou 1.096 casos de burla, só Luanda, 44 dos quais já foram julgados.

Em Junho de 2018, o Ministério do Interior confirmou a existência de grupos de “malfeitores” que se dedicam a burlar, pessoas e empresas, com falsas promessas de concessão de prémios e solicitação de patrocínios.

O Ministério, em comunicado, destaca que muitos marginais centram as suas acções na solicitação de patrocínios para a cobertura de actividades filantrópicas. As autoridades prometeram “dar resposta firme a todos os que procuram fazer do crime o estilo de vida”, apelando à população para colaborar na denúncia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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