Música

Nazar, o embaixador do novo kuduro

Alcides Sakala Jr., mais conhecido pelo nome artístico Nazar, lançou o seu primeiro registo de longa-duração pela discográfica inglesa Hyperdub. As novas possibilidades do kuduro do produtor já se fazem ouvir um pouco por todo o mundo.

Nazar, o embaixador do novo kuduro
D.R.

Chama-se ‘Guerrilla’ e é o primeiro registo de longa-duração de Nazar, o produtor de origem angolana que tem vindo a abalar a cena da música electrónica, de dança e experimental mundial. Lançado em Março pela editora inglesa Hyperdub, casa para alguns dos mais conceituados nomes das pistas de dança, o álbum é um documento sobre a Guerra Civil angolana, onde se ouvem os ritmos do kuduro mergulhados entre sons do conflito, de instrumentos futuristas e vozes e discursos em umbundo, recolhidos durante a guerra civil. O artista é, agora, o novo embaixador dos sons de Angola para todo o mundo.

Nascido há 26 anos na Bélgica, Nazar, filho do deputado da UNITA Alcides Sakala, tem vindo a trabalhar na sua música há mais de uma década, sempre com o intuito de trazer a uma vida sem-lugar um sentimento de pertença. “Na minha infância não faltaram incidentes racistas. Os nativos [belgas] não se cansaram de dizer para eu regressar ao meu país e, passado tanto tempo de ouvir o mesmo, ponderei mesmo fazê-lo.” Foi, de facto, isso que motivou Alcides Jr. a pedir aos pais para se reunir com a família em Angola, apesar de mesmo estando em casa sentir que não pertencia ali. "Logo no início deparei-me com esse dilema, de não pertencer a lado nenhum. Senti que estava num limbo e foi isso que me motivou a fazer música.,” conta em entrevista exclusiva ao Nova Gazeta.

A música foi a sua forma de reconciliação: primeiro, consigo mesmo e com os seus antepassados, servindo esta para retomar a ligação à sua cultura; depois, para com um conflito que durante mais de três décadas manteve o país dividido e, consequentemente, a sua família (o pai, enquanto diplomata da UNITA, vivia fora do país e viajava constantemente; a sua mãe vivia com os filhos na Bélgica, longe de casa). “Eu comecei a trabalhar o conceito deste álbum há quatro anos, quando comecei a produzir sons com uma natureza mais subversiva e comecei a revisitar o passado da minha família. Queria poder reconciliar as coisas e fazer uma homenagem aos meus pais, às minhas raízes.” A música “era o melhor meio para poder chegar às pessoas e contar esta história,” explica.

Apesar de um som atípico para o kuduro, que o próprio descreve como sendo rough (duro), as raízes rítmicas do género ouvem-se entre batidas sem batucadas, com armas e sons mecânicos a dar o mote para uma narrativa que não a da ou da festa boda. O kuduro aqui ouve-se, dança-se e pensa-se. Nazar explica que “sempre [teve] orgulho de ser ovimbundo, de ter essa herança e cultura.” O foco neste álbum passou por juntar essas suas referências com o que assimilou nos seus tempos a viver na Europa. “Eu quis ser um artista bem sucedido sem nunca ter de mudar o meu discurso, ou de pôr um filtro e censurar-me.”

O caminho não foi fácil e começou em 2008, pouco depois de se mudar para Luanda. Foi nessa altura que começou a produzir. Em entrevista ao site português Rimas e Batidas, aquando do lançamento do registo anterior 'Enclave', Nazar admite que começou a fazer  música às escondidas, recorrendo ao computador do pai sem autorização. “Quem diria que um deputado andava por Luanda com o FL Studio instalado no seu portátil. Não podia gravar os projectos, por isso tinha de ser rápido e concludente antes de ele dar conta,” contou ao site.

Dez anos depois, Nazar chegaria à editora britânica com uma missão: mostrar ao mundo que muito do kuduro que se fazia em Angola era superior ao que se ouvia nas diásporas da Europa. Esta foi uma ideia que não entendeu durante muito tempo, por ter nascido em Bruxelas. “Não me apercebia de que tinha uma abordagem eurocêntrica. Depois, passei a amar esta cultura, a gostar de ouvir umbundo, de ser parte de tudo isto.”

Nos planos de futuro, além de um espectáculo audiovisual imersivo, desenhado em colaboração com o artista Rob Heppell, o produtor pondera retribuir o que a cultura de Angola lhe deu: “Vou ficar 100% satisfeito quando voltar a Angola e puder dar estrutura para se fazer novas sonoridades,” confessa. “Eu sei que há putos a produzir música em Angola com ideias incríveis, mas sem uma estrutura. Eu fui um desses putos, que não tinha uma produtora que me ajudasse a fazer música, a comunicá-la e a expor o meu trabalho. Quero poder criar isso.”

Com 'Guerrilla', Alcides Jr., mais conhecido por Nazar, junta-se ao role de artistas africanos que têm captado as atenções de todo o mundo, como o colectivo Nyege Nyege Tapes, do Uganda, DJ Lag ou Citizen Boy, de África do Sul, ou Nkisi, do Congo. Nomes que, a par da afro-descendente Príncipe Discos, editora sediada em Lisboa, tem descortinado possibilidades para o continente africano tomar a dianteira na produção de música para as pistas de dança e não só. O seu álbum já o permitiu aparecer em jornais conceituados como os ingleses The Guardian e Financial Times, ou meios de crítica musical internacional como a Boomkat ou a Resident Advisor. 'Guerrilla' já está à venda em disco de vinil e CD, ou disponível para escuta online.

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