Escolas precisam de reestruturação

MED admite insuficiências na Acção Social

É do próprio Ministério que surge o reconhecimento de que “ainda precisamos de melhorar” para que as escolas atinjam a eficiência e eficácia no domínio da acção social. Em declarações ao NG, activistas, sociólogos e psicólogos apontam caminhos para que a escola, além da instrução, seja o local onde se aprendem valores de cidadania.

MED admite insuficiências na Acção Social
Manuel Tomás
Merenda Escolar
Domingos Torres

Domingos Torresdirector Nacional da Acção Social Escolar

Estamos a trabalhar com a formação de quadros, a ver se introduzimos mais conteúdos para que o professor vá para o mercado de trabalho já pronto.

Na escola, a ‘acção social’ designa as temáticas ou actividades que a academia desenvolve fora da sala de aulas, mediante programas como a ‘saúde e merenda escolar’, além de palestras sobre a importância da higiene ou mesmo o cuidado sobre a sexualidade. Introduzido pelo sociólogo alemão Max Weber, com diferentes subclassificações, na educação, o termo serve para resumir a necessidade de a escola não se limitar ao ensino, procurando educar para a vida e incutir valores de cidadania. Domingos Torres, director Nacional da Acção Social Escolar, recusa-se atribuir uma nota (de 0 a 10) que possa definir o estado das escolas do país neste aspecto. O responsável do Ministério da Educação (MED) revela apenas que “ainda precisamos de melhorar, para atingirmos a eficiência e eficácia que desejamos”.

De acordo com Domingos Torres, na formação de professores, os técnicos “não recebem” os conteúdos sobre a sexualidade como uma disciplina, mas sim de “forma transversal”. E isso, explica o responsável, contribui para as “insuficiências” na abordagem sobre as doenças sexualmente transmissíveis. “Estamos a trabalhar com a formação de quadros, nos novos programas do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (Inide), a ver se introduzimos mais conteúdos para que o professor vá para o mercado de trabalho já pronto”, assegura Torres, acrescentando que a “timidez” com que certos docentes abordam a sexualidade na escola é resultado do “tabu que trazem da família”.

O dirigente lamenta, por outro lado, a “fraca” participação das famílias na educação sexual, exemplificando com casos de pais que foram ao seu gabinete questionar por que razão o professor, numa semana, havia falado três vezes sobre a sexualidade. Nos novos manuais recentemente apresentados pelo MED, Domingos Torres assegura terem sido “acauteladas” todas estas questões. Sobre os dados de um inquérito apresentado durante o Encontro Nacional da Educação em que se conclui que apenas 30 por cento das escolas primárias possuem casas de banhos funcionais, o responsável entende que a causa está na falta de dinheiro, pois as escolas primárias “não têm orçamentos”.

 

Focar na primária

Para Alexandra Simeão, antiga vice-ministra da Educação para Acção Social no extinto Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (Gurn), é “complicado e subjectivo” analisar o que o MED tem feito no domínio da acção social, pois haverá iniciativas sobre as quais não tenha conhecimento devido à “má comunicação” do poder público.

Criadora do programa ‘Merenda Escolar’, que deu os primeiros passos ainda em tempo de guerra, focando-se inicialmente em campos de refugiados e tendo o suporte do Programa Alimentar Mundial (PAM), Alexandra Simeão sugere que a iniciativa evolua para ‘nutrição escolar’, com a envolvência de profissionais como nutricionistas e psicólogos, visto que é “significativamente grande” a percentagem de alunos com anemia e incapacitados do ponto de vista cognitivo devido à desnutrição. “Continuo a acreditar que [a merenda escolar] é o programa mais importante do ensino primário, porque, além de alimentar a criança, permite que ela não falte à escola”, comenta, considerando a melhor estruturação deste programa uma das vias para a redução da taxa de reprovação e de evasão escolar.

A dirigir a associação cívica Handeka, Alexandra Simeão entende que outro aspecto “extraordinariamente importante” tem que ver com a saúde escolar, pelo que o MED deve, através de uma parceira com o Ministério da Saúde, estar em condições de aferir os alunos que vêem ou ouvem mal, bem como os que são portadores de algum problema de saúde que os pais desconheçam, mas que tem influência no desempenho escolar. “A escola pode ser uma coisa infinitamente salutar na vida das crianças se houver programas que sejam financiados e que vão ao encontro das reais necessidades dos alunos”, afirma, recusando-se a enumerar que desafios as escolas no I ou II ciclos enfrentam no domínio da acção social. “O que estamos a querer fazer é começar o edifício pelo telhado. A base do edifício, que é o ensino primário e o pré-escolar, tem de ser acautelada. Quando esse problema for resolvido, com ensino de qualidade e universal, todos os outros subsistemas vão ganhar como consequência.”

De acordo com Alexandra Simeão, o programa do ensino primário “não está a ser eficaz” no que à salvaguarda dos interesses da criança diz respeito: “É muito teórico. A escola deveria atender a programas específicos que fossem para além das matérias teóricas, e isso não está a acontecer.”

 

Cuidado com as igrejas

O bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola entende que a escola “não está no bom caminho”, pois o país tem apenas um “ministério de ensino”, que está “muito aquém” no que diz respeito à educação, cidadania, convivência social e patriotismo.

Carlinhos Zassala, que sustenta as críticas com os “muitos comportamentos marginais e antissociais” que se verificam na sociedade, refere que “falta coesão” entre as instituições que integram o processo de socialização, nomeadamente a família, escola e igreja. “Muitos alunos têm mais tempo para ler documentos de cultos religiosos do que livros académicos ou científicos”, queixa-se o psicólogo, que se mostra preocupado com o “elevado” número de igrejas que surgem diariamente no país.

Lamentando que o “poder cognitivo” das igrejas sobre as pessoas seja “cada vez mais crescente”, Zassala receia que seitas com doutrinas “perigosas” transformem as atitudes dos alunos, impulsionando comportamentos sociais que atentam contra os valores de cidadania. “Há igrejas que estão a dizer aos crentes que não precisam de estudar nem de trabalhar, porque o fim do mundo já chegou e, por isso, têm de rezar diariamente.”

Entretanto, ao contrário de Zassala, o sociólogo Walter Lopes prefere identificar os desafios sociais de cada um dos níveis que compõem o sistema não-universitário. Na primária, por exemplo, Lopes entende que a escola, além de instruir, deve “educar para a cidadania”, transmitindo aos alunos os valores e normas aceites pela sociedade em que estes estão inseridos.

No I e II ciclos do ensino secundário (da 7.ª à 12.ª classe), o sociólogo refere que os desafios obrigam a que a escola se alie a parceiros que a ajudem a “gerir’ as dificuldades decorrentes das transformações físicas e psicológicas por que passam os alunos deste nível. Por exemplo, em relação ao namoro e sexualidade, Walter Lopes entende que a forma “mais fácil” de a escola suprir as debilidades dos professores é organizar palestras em que os prelectores sejam artistas ou figuras públicas que gozem da aceitação dos alunos. “Desde que o fim seja alcançado, não há mal nenhum em a escola aliar-se a parceiros de outras áreas na superação dos desafios sociais”, considera Walter Lopes, que alerta sobre a necessidade de se prestar “maior atenção” à vocação profissional, evitando-se a multiplicação de jovens que se inscrevem em cursos sobre o qual “não têm o mínimo de interesse”.

 

 

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