Malavu, lungila e mamã me leva

Que haverá em comum entre estas três ‘pérolas da língua e garganta’, consumidas no Uíge e noutras terras da imensa Angola? Em princípio, nada. Para adentrar a questão e tocar o âmago, precisei de viajar e conhecer Carmona, Uíge anteontem e hoje. General Carmona é uma outra história mais ligada à presença colonial portuguesa.

Antes de estes chegarem ao território uigense, já os povos se deleitavam com apetecíveis destilados, fermentados e bebidas naturais como a seiva da palmeira ou malavu. Aqui, surge o lungila que é um fermentado, à base de sumo de cana-de-açúcar. Traduzido para português, o termo lungila (do kikongo) significa ‘aturem-me’. É o que acontece quando alguém se encharca desse produto.

- Vozeira que vozeira, ao ponto de se sentir ‘o único’ na aldeia – explica o ancião Nsimba.

Mas no Uige não se fala apenas de lungila.  Poucos saberão disso, sobretudo os mais novos. Quem conta são sempre os mais velhos.

- Com os brancos, surgiu o ‘mamã me leva’. Era um vinho tinto que se produzia (engarrafava) na antiga cidade de Carmona.

O mais velho Nsimba explica o porquê do pomposo nome de ‘mamã me leva’.

- Com um copo a pessoa ficava alegre, bem-disposta e mesmo até o mais tímido já conversava. Se não tinha coragem de se dirigir a uma ‘pequena’, já podia. Com dois copos, aumentava a voz e até os baixinhos pareciam altos no tamanho e na voz. Ao quarto copo, os efeitos se reflectiam sobre os joelhos que ficavam ‘bwazeza’, sem força. Aí o consumidor, sem força nas pernas, a única coisa que conseguia dizer era ‘mamã me leva’. Há também o nosso secular e sempre presente malavu que é a seiva da palmeira. Quando me contaram que malavu também atacava nas pernas não quis acreditar. Certa vez, ainda éramos jovens, conta o mais velho Nsimba, estávamos a ir a Kimbele. Umas moças bacongo, saídas de Luanda pediram.

- Mais velho, faxavori, nos paga só um kabidon de malavu.

- Filha, malavu não faz bem – respondeu o meu amigo Sabichão. Ele gostava mbora de brincar...

- Tio, faxavori – e retorquiu a jovem, num tom suplicante, o que levou Sabichão a pagar um litro de malavu.

Elas eram três e nós duas pessoas na carroça da Peugeot 507. Minutos depois, a primeira moça começou a reclamar que estava a ‘caloriar em todos os lados’. Não te avisei, mbora? – recordou Nsimba, hoje mbuta muntu.  Não tardou, quando o carro parou para meter mais gasóleo,  a amiga confirmou o efeito da bebida.

- E o que disse a moça, mais velho Nsimba.

- ‘Mama me leva’. Mas não era do velho, era do malavu. Disse que estava a sentir as pernas a tremer. Sabichão, o meu amigo, ainda avançou conversa misturada com malícia.

- Não te disse que malavu faz mal? Põe calça jeans e amarra pano por cima!

 

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