Furtos e desvios de dinheiro nos principais bancos de Angola

Mais de 200 bancários nas cadeias

Há 210 funcionários bancários condenados por furtarem dinheiro nas contas dos clientes, sobretudo de quem já faleceu. Mas os números podem ser mais elevados. Os bancos, por norma, esquivam-se a divulgá-los. Em Abril, o responsável do BPC admitia que “havia muitos”. A associação de defesa do consumidor defende que os bancos devem ser responsabilizados.

Mais de 200 bancários nas cadeias

Nas cadeias angolanas, encontram-se detidos 210 funcionários bancários acusados de furto de dinheiro nas contas dos clientes, dos quais apenas 10 são do sexo feminino. Dos dados fornecidos pelo Serviço Penitenciário, Luanda lidera a lista de presos acima da média. Ou seja, nas cadeias da capital, estão quase metade, 110.

Os principais bancos angolanos, BPC, BIC, BAI, Milllennium Atlântico e BFA, têm uma média de quatro funcionários detidos por furto.

Entre as várias práticas dos funcionários, a polícia regista uma que é das mais comuns: antes do início das funções diárias, adquirem o Jornal de Angola para verificar as páginas de necrologia e confrontarem os nomes de falecidos com a base de dados dos respectivos bancos.

Esta, por exemplo, foi a ‘técnica’ utilizada pela antiga funcionária do BPC, Gizela Freitas, destacada na agência do Miramar, em Luanda, e detida em Janeiro deste ano, acusada de ter furtado 16 milhões de kwanzas nas contas de pessoas falecidas. O director de comunicação institucional e imprensa da Polícia Nacional, em Luanda, Mateus Rodrigues, esclarecia que a acusada trabalhava com um grupo, constituído por elementos do banco e do exterior, que lhe forneciam informações das contas de pessoas falecidas. O envolvimento no crime foi denunciado por um cúmplice que “não” teria recebido o montante acordado.

Há duas semanas, quatro funcionários do BAI foram suspensos por alegadamente terem facilitado um assalto na agência em Talatona.

Este ano, também em Janeiro, na Lunda-Sul, segundo dados do Serviço de Investigação Criminal (SIC), quatro funcionários do Banco de Poupança e Crédito (BPC) foram detidos por supostamente terem desviado um milhão e 803 mil kwanzas, entre Novembro de 2016 e Maio de 2017. Os valores seriam depositados na conta da Comissão de Gestão de Água e Saneamento e os funcionários, destacados no balcão da Repartição Fiscal. “Não efectuaram os 412 movimentos de depósitos que totalizaram a soma dos valores”, confirmou o SIC.

Segundo o relatório, estes funcionários recebiam os pagamentos de consumo da água dos clientes e apenas carimbavam os recibos sem inserir no sistema bancário.

Em Março de 2017, a direcção de auditoria do BPC considerou a então funcionária Deusadeth Lobo Gil culpada do furto de valores na conta de Domingos Manuel, já falecido. A conclusão do banco foi antecedida de um inquérito e consequente processo disciplinar contra a funcionária, acusando-a de ter facilitado o “cúmplice”, Miguel Capitão, a realizar movimentações. 

Em Abril de 2014, o então presidente do Conselho de Administração do BPC, Paixão Júnior, assumiu, no encontro nacional dos técnicos dos departamentos comerciais, realizado em Catete, a existência de funcionários que têm realizado movimentações “ilegais” nas contas dos clientes. Na altura, o responsável ameaçava com “punições”. Sem revelar números, garantia que “muitos tinham sido demitidos”.

 Muitas queixas

A Associação Angolana de Defesa dos Direitos dos Consumidores (AADIC) tem recebido diversas denúncias e queixas de clientes que, quando consultam as contas, se deparam com movimentos “estranhos”. Há casos em que o proprietário da conta bancária deixa 100 mil kwanzas na conta, sem mexer por três meses. Quando consulta, detecta valores em falta, os bancos alegam “não terem conhecimento”. O presidente da AADIC, Diógenes de Oliveira, salienta que, por se tratar de um crime de furto, além da responsabilização criminal dos funcionários, os bancos, como instituições fornecedoras de serviços, “devem também ser responsabilizados indemnizando os clientes”.

Diógenes de Oliveira lamenta que seja “difícil” resolver estes casos. Quando a AADIC procura explicações junto das instituições bancárias, para apurar a veracidade, “elas defendem-se”. Como se tem dito, ironiza, “um javali nunca vai julgar o porco”, acrescentando a necessidade de “haver maior responsabilidade e responsabilização das pessoas”.

A AADIC recebeu 18 denúncias no ano passado e três este ano. Diógenes de Oliveira até acha que são “poucas denúncias” e que se deve à “falta de cultura de guardar os extractos e boletins bancários quando se realizam movimentações”. Por isso, aconselha a que se guardem os extractos para se controlarem as transacções bancárias.

As denúncias têm sido encaminhadas para o Banco Nacional de Angola (BNA), enquanto entidade reguladora.

Processos aos bancos

O advogado José Armindo não tem dúvidas de que têm ocorrido diversos casos de “descaminhos de dinheiro” nas contas bancárias, considerados “violações do contrato de depósito entre o cliente e o banco e um ilícito criminal”. “O banco deve restituir de imediato ao cliente o valor dispersado pelo seu trabalhador e depois cobrar, a título de direito de regresso, ao seu trabalhador”, explica.

José Armindo aconselha, caso o banco “não o faça”, a que se accione o BNA. “Se o BNA não conseguir resolver, que é uma hipótese remota, o lesado pode intentar uma acção de responsabilidade civil contra o banco e o técnico”, reforça o advogado, acrescentando que, “se alguém depositar dinheiro na conta e um trabalhador do banco fraudulentamente dissipar os valores, deve responder, em primeiro lugar, o banco, mesmo que a instituição não tenha culpa pela atitude do seu trabalhador”.

“Muitos detidos”

Em Maio, José Celestino da Silva, à frente de uma comissão que preparava a criação da Ordem dos Bancários de Angola (OBA), alertava, em entrevista ao Jornal de Angola, para o excesso de desvios de dinheiro protagonizados pelos bancários. Nessa altura, garantia haver “muitos bancários detidos” nas cadeias em todo o país, sem, no entanto, precisar os números. José Celestino da Silva sugeria que os bancos apostassem na formação de quadros para os sensibilizar a “deixar esta prática que denigre a imagem da banca e das instituições”, mas encontrando explicações na crise económica e nos “problemas familiares”.

O presidente da Associação Nacional dos Bancos (Abanc), Amílcar Silva, escusou-se a fazer qualquer comentário sobre o número de funcionários bancários detidos. “Não conheço essa situação por ser interna de cada banco” foi o argumento usado pelo líder associativo que, no entanto, aconselha a que se façam denúncias directamente a Polícia Nacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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