Governo não cede no encerramento das confissões “nefastas”

Igrejas ilegais podem encerrar em 16 dias

Governo deu ultimato de duas semanas às igrejas ilegais. Têm de apresentar 60 mil assinaturas para se legalizarem. Ministra da Cultura chama “abutres” aos pastores que exploram crentes. A Ordem dos Pastores acusa o Governo de ter tomado uma medida inconstitucional. O líder muçulmano sugere a legalização por doutrinas.

Igrejas ilegais podem encerrar em 16 dias
Santos Samuesseca
Afonso Nunes

Afonso Nunes líder da igreja Tocoísta

A proliferação religiosa deve ser muito discutida, observada e ponderar alguns aspectos e a aplicação das decisões que venham a contribuir para o bem-estar social das populações.

O Ministério da Cultura contabiliza 1.290 igrejas, mas apenas 84 foram consideradas legais, restando 1.206 ilegais. Desta lista, destacam-se, pela sua dimensão, Igreja Mundial, a do Deus Vivo Shekinah, a do ‘Hospital da Fé’ e outras. Estas denominações religiosas foram extintas com a “ilegalização” das seis plataformas ecuménicas das quais faziam parte. Todas têm menos de 20 dias para cumprir com as exigências da lei. Findo o prazo, poderão ver, até 4 de Novembro, as portas “encerradas”. Até lá, terão de reunir, cada uma, 60 mil assinaturas para se legalizarem.

A imposição governamental, reforçada pelo Presidente da República durante o discurso sobre o estado da Nação, na passada segunda-feira, está a agitar a sociedade, em particular os líderes das igrejas.

Por exemplo, o presidente da Ordem dos Pastores Evangélicos de Angola (OPEA), Pedro de Boaventura, acredita que o encerramento das plataformas ecuménicas poderá contribuir para “o aumento da criminalidade, consumo de drogas e outros males que atentam contra a sã convivência social”. O religioso destaca que alguns fiéis foram “convertidos pela acção da evangelização e deixaram de praticar actos lesivos à paz na sociedade”.

Pedro de Boaventura considera que o decreto presidencial tem medidas “inconstitucionais” por exigir às igrejas um prazo “tão curto, aquilo que humana e financeiramente é inexequível”. Dadas as consequências sociais que poderão resultar da “ilegalização”, a OPEA apela ao Governo para reavaliar a medida “por restringir as liberdades”. A organização pede também ao Governo que reduza o número de assinaturas exigidas. A OPEA fez as contas e calcula que o reconhecimento de 60 mil assinaturas poderá custar 112 milhões de kwanzas.

Em resposta, Francisco de Castro Maria, director do Instituto Nacional de Assuntos Religiosos (INAR), sugere que a Ordem submeta as suas sugestões à equipa técnica que foi constituída e espere que sejam avaliadas pelo Governo e a consequente aprovação pela Assembleia Nacional.

“Pastores abutres”

Leitura diferente da OPEA tem a ministra da Cultura, para quem “a existência de elevado número de igrejas ilegais precisa de ser regulada urgentemente”. Carolina Cerqueira entende “não ser admissível que continuemos a admitir denominações religiosas em registo”. “É menos admissível ainda que tenhamos igrejas que exerçam actividade comercial ou que atentem contra os direitos humanos e contra os princípios da urbanidade e da boa convivência”, reforça a governante, chamando mesmo de “abutres” aos pastores que se aproveitam da “ingenuidade” dos crentes para “extorquir” valores monetários, pelo que “não podem ser confundidos como empresários”. “Temos de travar a acção nefasta de algumas igrejas, que colocam em causa o papel espiritual e social das confissões que cumprem a sua missão e que respeitam os limites do seu objecto social.”

Também João Lourenço não se conteve nas críticas às igrejas. Na Assembleia Nacional, durante o discurso sobre o estado da Nação, reforçou a ideia se serem tomadas medidas “necessárias para impedir que certas denominações e seitas religiosas confundam fé com negócio e actividade espiritual e social com actividade empresarial”.

Divisões por doutrinas

O representante da Religião Islâmica em Angola, David Alberto Já, sugere a legalização das igrejas em denominações doutrinais. Por exemplo, as de origem africana estarem numa única e as pentecostais num outro grupo. Com esta medida, segundo o responsável, “impedia-se a proliferação das igrejas”.

O bispo da Igreja Tocoísta, Afonso Nunes, prefere alertar para os cuidados que se devem ter ao analisar e tomar decisões relacionadas com questões religiosas, já que a fé é algo que está “no íntimo e não pode ser arrancada”. Segundo o líder tocoísta, a proliferação religiosa “deve ser muito discutida, observada e ponderar alguns aspectos e a aplicação das decisões que venham a contribuir para o “bem-estar social das populações, não podemos tomar decisões com nervo”.

A secretária-geral do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA), Deolinda Dorcas Teca, salienta que a extinção das outras plataformas religiosas é uma “chamada de atenção aos líderes religiosos para trabalharem no respeito pelos direitos humanos e na pregação do evangelho de forma clara, concisa e não exploratória”.

Deolinda Dorcas Teca acredita que, mesmo que o limite de assinaturas seja reduzido, “ainda será muito trabalhoso que as igrejas consigam e reconheçam nos notários”. Também ela defende a redução do número de assinaturas.

Igrejas ilegais podem encerrar em 16 dias

Carolina Cerqueira, ministra da Cultura

Mais de duas mil igrejas

As igrejas agora carimbadas de ilegais funcionavam com a cobertura das plataformas ecuménicas, reconhecidas em 2015. Foram constituídos o Conselho de Reavivamento em Angola (CIRA), União das Igrejas do Espírito Santo em Angola (UIESA), Fórum Cristão Angolano (FCA), Aliança das Igrejas Africanas (AIA), Igreja de Coligação Cristã em Angola (ICCA) e Convenção Nacional de Igrejas Cristãs em Angola (CONICA).

Estas plataformas albergavam 2.006 igrejas. Para colocar ordem, os ministérios da Cultura, do Interior, da Administração do Território e Reforma do Estado e da Justiça e dos Direitos Humanos aprovaram o decreto que ilegalizou as plataformas e consequentemente as confissões religiosas que delas faziam parte.

Estas igrejas são obrigadas a recolher as 60 mil assinaturas nos próximos 20 dias. Entre elas, destacam-se a Mundial, de origem brasileira, a Igreja Hospital da Fé, liderada por Eliseu Agostinho, a Igreja do Deus Vivo Shekinah, liderada pelo pastor Horácio dos Anjos, vulgo ‘Altamente perigoso’. Findo o prazo, os governos provinciais e a Polícia Nacional poderão encerrar os templos.

De acordo com o INAR, mais da metade das igrejas ilegais é de origem estrangeira, sobretudo da República Democrática do Congo, Congo-Brazzaville, Nigéria, Senegal, Brasil e outros países. Todas pregam a “teologia da prosperidade” de cariz neopentecostal.

 

 

 

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